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A Semana de Arte Moder­­na, que neste mês completou 90 anos, foi o embrião da antropofagia cultural, movimento intelectual que ainda hoje é válido não somente para se pensar a identidade artística nacional, mas também a estrutura política e social do país. Inspirada no canibalismo dos indígenas brasileiros do século 16, que comiam os inimigos imaginando incorporar o que eles tinham de bom, a filosofia antropofágica propõe a "devoração" simbólica e crítica de modelos importados para reelaborá-los de acordo com as características do Brasil.

Esse bom canibalismo produziu as mais autênticas expressões da cultura brasileira, assunto abordado na última quarta-feira (leia o texto em http://bit.ly/xTw72k). Mas a ideia da antropofagia, com raras exceções, parece passar longe da cabeça dos dirigentes da nação. A eles costuma faltar crítica na importação de modelos de Estado e sociedade e na sua adaptação às condições nacionais.

O país nasceu como um império centralizador, decalque da monarquia portuguesa. Fez-se república e adotou o modelo federativo dos EUA. Para os americanos, a federação era uma forma de dar liberdade aos seus cidadãos, descentralizando o poder e proporcionando autonomia às localidades – um dos fundamentos da principal democracia do planeta. Mas, no Brasil, o modelo esbarrou na cultura pouco democrática e acabou por garantir tão-somente a supremacia das oligarquias regionais. Não funcionou e a Velha República ruiu.

Veio a Revolução de 30 e a centralização retornou. Logo depois, o Estado Novo flertou perigosamente com o fascismo italiano – num exemplo de assimilação do que não era bom. Essa fase passou e o Brasil se redemocratizou. Mas voltou a ser uma ditadura. E então corrigiu o rumo abraçando de novo a democracia.

Os construtores da Nova Re­­pública, ao redigirem a Cons­­tituição de 88, projetaram no papel um Estado de Bem-Estar Social à moda europeia. Mas, sem o padrão de renda e a arrecadação estatal do mundo desenvolvido, restou aos governos brasileiros elevar a carga tributária para bancar os custos da profusão dos direitos criados – a maioria deles desejáveis; outros expressão do privilégio de categorias.

Ainda assim, o dinheiro do Estado continua a ser insuficiente para assegurar a todos o cumprimento do que a legislação lhes garante. E aí vem a grande perversidade da cópia nacional malfeita do welfare state: enquanto setores com capacidade de lobby fazem valer as leis que lhes beneficiam, a maioria pena para tirar do papel os direitos sociais básicos previstos na Constituição – educação, saúde, segurança e moradia.

E então as autoridades seguem enganando o país ao conceber novas leis que prometem melhorar a nação – algumas delas cheias de boas intenções ao propor a cópia de modelos internacionais. Mas muitas simplesmente não pegam porque o papel não tem o poder de mudar costumes. A elas faltam as condições (fiscalização, recursos orçamentários e conscientização da população) para que sejam respeitadas.

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