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Uma democracia não se faz só com eleições. E o voto não é um salvo-conduto para que os eleitos façam o que quiserem durante o mandato. Ser democrático é ter de negociar rotineiramente com a sociedade os assuntos de interesse público; nunca impor. Mas o país ainda titubeia em dar mais esse passo à frente. O "tratoraço" promovido ontem pela Assembleia Legislativa do Paraná para aprovar o pacote de aumento de impostos proposto pelo governador Beto Richa é um triste exemplo de como o pendor autoritário de não ouvir a comunidade pode conviver com processos democráticos.

O tarifaço foi apresentado pelo governo e colocado em votação em apenas uma semana. Sete dias é tempo insuficiente para que a sociedade possa debater um assunto que vai mexer de forma tão drástica com o cotidiano.

Mais grave ainda é que, se não fosse pela investigação da imprensa, tampouco se saberia a verdadeira extensão do aumento de tributos. O Palácio Iguaçu em nenhum momento comunicou a íntegra do projeto de forma clara. Nos primeiros dias, os governistas admitiram apenas que haveria reajuste do IPVA e do ICMS da gasolina. Ficaram quietos a respeito daquilo que só viria a público, por meio desta Gazeta do Povo, na sexta-feira passada: o aumento de impostos vai onerar uma extensa lista de produtos de consumo popular – hoje estimada em 95 mil itens. Se não fosse por esse trabalho jornalístico, talvez os cidadãos só tivessem conhecimento do tarifaço depois de tudo já estar aprovado.

Juntamente com o aumento de impostos, o governo enviou ainda à Assembleia outros projetos importantes para serem votados no afogadilho deste apagar de luzes do ano. Muitos deles também terão impacto profundo no dia a dia da sociedade. Uma proposta do governo afrouxa as regras para o estado firmar parcerias público-privadas (PPPs). Essas parcerias são concessões de serviços e bens públicos para a exploração por empresas particulares. Podem durar décadas, tal como ocorreu com o pedágio.

Outros projetos do pacote de fim de mandato esvaziam os poderes e retiram R$ 80 milhões da Defensoria Pública – órgão criado para que pessoas de baixa renda possam ter direito a um advogado sem custo caso precisem recorrer à Justiça. Há ainda a taxação de servidores estaduais aposentados que ganham acima de R$ 4,3 mil mensais e um projeto que cria a previdência complementar dos futuros funcionários públicos estaduais. Para complementar, o Tribunal de Justiça também enviou à Assembleia o seu próprio tarifaço, que na prática reajusta as taxas dos cartórios em 33%.

Nenhum desses assuntos se esgota em poucos dias de discussão. Querer atropelar o ritmo natural do debate público é passar por cima da própria sociedade. Não há pressa que justifique o atropelo. O tratoraço é um passo atrás na consolidação da democracia.

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