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Quando o amanhã vier e brindarmos a chegada de 2010, não estaremos apenas celebrando a expectativa de um futuro melhor. De certa forma, estaremos também resgatando a memória de um passado muito mais longínquo do que imaginamos, que extrapola os 365 dias anteriores. Em cada gesto que fizermos no réveillon, carregaremos milênios de tradições que, em última análise, nos dizem quem somos e de onde viemos.

Carregaremos, por exemplo, um legado de Roma Antiga. Sim, os romanos não nos deixaram apenas o estilo arquitetônico ainda hoje copiado e as bases do Direito que rege nossa vida pública. Eles também nos legaram a própria festa de réveillon. Ou melhor, a data em que comemoramos o nascer de um novo ano. Se não fosse por Roma, dificilmente estaríamos celebrando a virada nesta época. Foi Júlio César quem estabeleceu, em 46 a.C, que os anos começariam em 1.º de janeiro. Antes dele, a data variava muito, dependendo do povo e do momento histórico.

A celebração do réveillon em janeiro também não foi sem motivo. Januarius era o mês dedicado ao deus romano Janus, responsável por abrir as portas do céu e dos novos tempos. Não por acaso, ele era representado como um homem com duas cabeças, uma voltada para o passado e outra para o futuro.

O réveillon é, portanto, uma celebração originalmente pagã que assumiu significado cristão. Afinal, a contagem de nossa era comemora exatamente os anos do nascimento de Cristo. E o 31 de dezembro, especificamente, também remete às nossas raízes católicas. É o dia de São Silvestre – Papa sob cujo pontificado cessaram as perseguições dos romanos aos católicos, no século IV.

Ainda assim, por mais cristãos que nós brasileiros sejamos, nessa mesma noite de São Silvestre vestimo-nos de branco, corremos à praia e pulamos sete ondas – num ritual de sincretismo cultural herdado das religiões afro-brasileiras, o culto a Iemanjá. Também soltamos fogos de artifício – uma tradição que, a despeito da beleza, tem por função primordial fazer barulho, bastante barulho. Era assim que povos muito antigos, anteriores até aos romanos, faziam para espantar os maus espíritos na nova fase que se iniciava.

Por fim, a própria palavra que usamos para designar a virada de ano – réveillon, derivada do verbo francês "reveiller" (despertar) – também é um lembrete insistente de nossa herança cultural europeia.

Somos, portanto, filhos do tempo e herdeiros daqueles que nos antecederam. Nesta época do ano costumamos pensar no futuro. Mas temos de ser um pouco como Janus: não podemos deixar de olhar para o passado. É ele que explica quem somos.

Fernando Martins é jornalista

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