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 | Foto: Marcelo Andrade, Arte: Felipe Lima
| Foto: Foto: Marcelo Andrade, Arte: Felipe Lima

Já passa da hora de fazer justiça ao risoto. Sem esse prato da culinária italiana, não haveria o Paraná moderno. Exagero? Aos fatos. Poty Lazzarotto era um piá do Capanema, como tantos que brincavam de se equilibrar nos trilhos do trem, até sua família começar a servir risotos, na década de 1930. Nosso artista maior foi descoberto ali – num barracão de madeira de 3 x 6 metros onde os comensais se espremiam para provar a iguaria preparada pela mãe dele, Júlia.

O empresário Carlos Gusso (foto), hoje com 72 anos, corria solto pelos pastos do Xaxim quando os seus pais também deram de "risotear". Era 1953. Em 2013, a Risotolândia do Carlos completa 60 anos, 4,2 mil empregados e meio milhão de refeições industriais por dia. Em miúdos – de frango, de preferência – o risoto alimentou a arte e o capital. De quebra, ajudou a inventar Santa Felicidade.

Pode-se afirmar que a gastronomia de "Santa" teve início nos anos 1940, no dia em que outra Júlia, a dos Toaldo, decidiu vender pratadas de risoto à turma que saía da missa da matriz. O palpite é de Flora Madalosso, 73 anos, autoridade no assunto. Mas dá medo de errar. Duzentas famílias colonizaram o bairro. Vá saber quem cobrou pelo primeiro risoto.

Pode-se dizer que a influência "risotiana" foi maior do que a do "bife a cavalo" – aquele com sugestivos dois ovos fritos em cima de uma suculenta picanha. Era servido no Cassino do Ahú e copiado nas boates. Mas estava relacionado à boemia e, por tabela, à vida pregressa. Melhor deixe. O risoto não – risoto era família. Grandes famílias. Daí, talvez, ter sido tão prestigiado por políticos, atentos àquele momento lindo.

O interventor Manoel Ribas foi cliente preferencial do risoto dos Lazzarotto. Ney Braga estava a um pé de sua primeira candidatura quando provou o risoto de dona Cenira Gusso, mãe do Carlos. Ney também se fez frequentador de Santa Felicidade, antes mesmo dos restaurantes surgirem em cascata. Mas teria sido o futuro governador Paulo Pimentel, em 1958, quem prestigiou uma festa de igreja na região, fazendo moda.

Detalhe: o Capanema, Santa e o Xaxim eram lonjuras, às quais só se chegava comendo muita poeira. De modo que se deve lavrar à biografia desses eleitos os préstimos feitos ao risoto. Ao buscarem votos e prazeres alimentícios nos arrabaldes, sem querer, ou querendo, carregaram Curitiba atrás deles, dando dimensões estelares ao anarquista costume italiano de comercializar comida na cozinha de casa.

Carlos Gusso é testemunha ocular. Lembra o momento em que os seus passaram a servir risoto na Sociedade 5 de Julho, quinta à noite e domingo ao meio-dia. Esqueçam o Xaxim de agora. O local era uma bacia leiteira. Difícil de chegar. Por isso os Gusso não tiravam a cabeça das nuvens. Tinham medo de chuva. "A mãe ficava na porta, olhando. Se caísse água, a freguesia sumia. Perdíamos muito risoto, até porque ela não deixava servir se não fosse saído da panela."

Havia um ritual: Cenira chamava a turma cinco minutos antes de pôr à mesa. Servia-se na hora, sem choro, de modo que quem tinha carro, e eram só 1,6 mil na capital, fazia lotação completa – incluindo os sentados no colo – e pisava para chegar depressa ao "Risoto do Xaxim". Cabiam 150 pessoas – e uma delas podia ser o Ney Braga.

A mamma dos Gusso vistoriava os pormenores da receita, como se fosse a fórmula da Coca-Cola. Manteiga, apenas a feita nas chácaras vizinhas. Galinhas caipiras. Molho pardo. Arroz amarelão Dalfovo, comprado dos portugas do Mercado Municipal. Não há registros oficiais, mas Cenira deve ter encontrado por lá com Júlia Lazzarotto, a mãe de Poty. Mal sabiam...

Cabia ao filho Carlos o serviço sujo – a matança das galinhas. Ele calcula 200 óbitos por semana. Cumpriu a tarefa por oito anos, tempo em que o risoto funcionou no Xaxim, até ganhar asas e se mudar para o Centro. Noves fora, foram 9,6 mil degolas apenas na fase suburbana do risoto. E o pessoal ainda pega no pé do Alex Atala.

Nem sempre era fácil. Se a faca não estivesse afiada, a penosa pulava da água fervendo, em fuga, cabeça pendurada, tipo "pânico do fogão a lenha". Pior do que isso, só lavar mais de 600 talheres de ferro, com areia, para que não enferrujassem, tarefa para a filharada. Ou colocar e tirar a cerveja do poço, para gelar.

"Nem sempre tenho lembrança boa", confessa Carlos Gusso. Mas o fato é que anos depois, já alto funcionário do Citybank, mandou o posto às favas e resolveu, ora, vender risotos. Saíra aos seus. Tinha de ser.

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