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Esta semana, entrei na fila para falar com a Marly. Tive sorte. Foram só 30 minutos de chá-de-cadeira, tempo que aproveitei para apreciar a paisagem. Para quem não se deu conta, Marly é a dona do maior salão de beleza do mundo. E a tal paisagem é o seu templo fumê instalado naquele trecho da Avenida Sete de Setembro – entre a Rápida do Portão e a Mário Tourinho – em que a Zona Sul de Curitiba é tão elegante que a gente se sente, assim, um retirante da seca.

Para quem nunca foi até lá, um aperitivo: parece o saguão do Aeroporto Afonso Pena, só que forrado de pias, secadores e moças circulando com uns alumínios estranhíssimos na cabeça. Fosse estilista, botava uma fila delas para desfilar num fashion week. Viraria notícia.

Bom, parece que o mundo decidiu trocar confidências com a Marly. É como se ela tivesse uma bola de cristal escondida no toucador. Todos querem saber como transformou um salão de beleza 3 X 4, na Rua Estados Unidos, Bacacheri, numa usina de chapinhas, tinturas e miríades de bóbis – sim, bóbis ainda existem, prova de que o mundo não acabou.

Dona Marly recebe feito uma madrinha. Tem dias que senta para conversar com Lenys, Rosemarys e Shirleys – todas guerreiras proprietárias de 3 X 4 por aí. Querem saber da mestra com quantos frascos de laquê se faz uma revolução. Em outros, põe-se à mesa com estudantes de Publicidade e Administração, cujos olhos faíscam diante do que chamam "um case de sucesso". Um deles ainda vai fazer da Marly – ex-moradora do Atuba – a salvação de Wall Street.

Quando falamos, a veterana puxou uma cadeira na mesa da cantina. Dali, tem-se vista panorâmica do imodesto salão de 6,5 mil metros quadrados, um cenário e tanto para ouvir a saga da normalista Marly Stuhlert Minatti, nascida em Braço do Trombudo, cidade de 3,5 mil habitantes – e míseros quatro salões de beleza – nas vizinhanças de Rio do Sul, Santa Catarina.

Miss Stuhlert chegou em Curitiba aos 15 anos, de braço dado com a mãe Melita, cabeleireira de ofício. Não deu outra: fez um curso do Senac e arrumou serviço num salão do Batel. Lavou, cortou, penteou até cansar, meter as caras e abrir seu próprio negócio. O ano da graça foi 1971. Tinha uma penteadeira velha, a mocidade e duas certezas: "Dentro de salão não tem relógio"; e "não tem cabelo ruim, só cabeleireiro ruim."

De resto, aprendeu a fazer cabelos iguais aos da pantera Farrah Fawcett e pagou para ver. Hoje vê. Clientes dos tempos idos, como a Ivone, a Dilse, a Arlete e a Izolde, só entregam as madeixas nas mãos da Marly. São sua moedinha da sorte? "São", gargalha a mulher que já escutou das clientes doces segredos de secador: "Amiga, você mudou a minha vida."

De juras e juras, o salão cresceu, mas sem deixar de lado a receitinha caseira que Marly imprimiria nas teses universitárias, se lhe deixassem: "Cliente tem sempre razão." E direito a ficar de trololó. "Eu concordo com tudo", ensina, recorrendo à máxima de que o salão é o divã da humanidade. Por essas contas, 2 mil clientes/dia em sete salões da Marly, noves fora, e refunda-se a psicanálise.

Mas Marly cá prefere mesmo é a rotina. Levanta-se às 8. Às 9, começa a via-sacra pelos salões, em dias alternados. É do Bacacheri para o Social. Do Social para a Visconde, e assim por diante. Cada dia, faz o cabelo com um profissional diferente. Como tem 800 a postos, pode ficar três anos sem repetir o atendimento – nem a Lady Di podia tanto.

Quanto à paisagem do Salão Marly – nada como ser um estranho no ninho. Ali, a gente repara, em escala, que mulher com cabelo feito fica com molejo – pronta para estrelar uma propaganda de xampu. Não escapam do feitiço as ripongas, as exageradas, as discretas, nem as levemente suburbanas, além de adolescentes – já às voltas com o drama das cutículas. Vi uma com o calcanhar rachado. "Amiga, você precisa se cuidar."

No mais, cá entre nós, salão é de dar tique-tique nervoso nos homens. Terreno desconhecido, câmbio. Sabe como é: já na porta está escrito eletroacupuntura, carboxterapia, ventosa facial e "estimulação russa". Que diabos?

José Carlos Fernandes é jornalista.

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