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 | Foto: Aniele Nascimento / Arte: Felipe Lima
| Foto: Foto: Aniele Nascimento / Arte: Felipe Lima

Há pouco mais de três anos, fiz uma reportagem sobre o "caso Giovana Marca", uma garotinha em vias de ingressar no ensino fundamental, mas que encontrou uma meia dúzia de escolas particulares de Curitiba cheia de dedos na hora de recebê-la. Com dificuldades crônicas de locomoção, ela só seria matriculada se seus pais pagassem uma acompanhante para levá-la, pela mão, ao recreio e ao banheiro, o que por certo faria da tal da inclusão uma piada de mau gosto. A família estrilou, vendo na exigência um sinal de que a filha não era bem-vinda. Sururu danado.

Como dizia o título da matéria, "Giovana só precisava de uma mãozinha para estudar". Podia contar com o ombro de um colega por dia, os mestres vez em quando, motivando-a a usar as pernas no lugar de se entregar a uma cadeira de rodas. Mas para quê simplificar. Os colégios alegavam limitações arquitetônicas e falta de profissionais preparados, afinal, nenhum mestrado ensina a dar a mão, né mesmo.

Pois a uns poucos quilômetros de onde o destino de Giovana era discutido num pedagoguês lustroso que só, um europeu, de nome Bernhard Beutler, ainda às voltas com seu português ruim, entendeu tudo e decidiu a história no braço. Em poucos meses, a menina entrou pela porta da frente no Colégio Suíço-Bra­­sileiro, em Pinhais, onde Ber­­nhard é diretor. Tornou-se bolsista bancada pelo governo – pelo governo deles, diga-se. Ar­­rumaram-se rampas e aluninhos trilíngues que se revezam para conduzi-la ao pátio, tarefa que, até onde se sabe, não lhes arrancou nenhum pedaço.

Gika, como a pequena é chamada, vai que é uma beleza. Além, de circular para cima e para baixo com pernocas já não tão bambas como dantes, fala um alemão de dar inveja à turma de Pomerode. Parte das aulas no Suíço é dada no idioma de Goethe, exigência do estabelecimento cujo soldo é R$ 12 mil ao ano. Em pouco tempo, a garota dos Marca vai se expressar também em inglês e francês. Será mesmo preciso. Os estranjas estão doidos para levar um plá com a joinha curitibana, hoje convertida num símbolo.

Explico. De vexame educacional, o "caso Giovana" virou um "estudo de caso" para pesquisadores dos Quatro Costados, que o acompanham com a mesma atenção que a gente dedica às andanças da personagem de Alinne Moraes em Viver a Vida. A minúscula Switzerland optou pela inclusão total de deficientes nas escolas regulares. O êxito da brasileirinha lhes serve de inspiração. E segurem o Bernhard quando ele tricota sobre o sucedido. Lavadeira perde. Onde é mesmo que desliga o suíço?

Bernhard Beutler tem 46 anos e é veloz como um herói dos quadrinhos. Zás-trás. Foi graças a sua rapidez que a matrícula saiu a jato, assim como a doação de um elevador e a reviravolta pedagógica para receber a guria. Dá trabalho. Como Gika não tem origem helvética, a cada semestre é preciso justificar o benefício junto às autoridades lá de longe. A norma se converteu num trunfo para Bernhard. De relatório em relatório o forasteiro escreve um livro sobre o milagre da socialização numa distante escola de província.

Nada mal para o economista que jogou tudo para o alto e aos 30 anos decidiu virar educador, como se fosse um missionário em terras infiéis. Veio parar nos Alpes de Pinhais, vizinha de CWB. Foi por aqui, ao ler o jornal, que se deparou com a expressão "dar uma mãozinha", tão nossa quanto "dar um jeitinho". Não captou. Os camaradas brazucas lhe explicaram o que queria dizer. "Fiquei horrorizado. Quis ajudar a Giovana", lembra. Pirilimpimpim.

A propósito, o diretor está de malas prontas para São Paulo. Leva na bagagem uma frase-feita, que repete sem parar. "Os alunos incluídos fazem de nós pessoas melhores." Parece "conversa fiada", mas não é. Bernhard mal sabe o que isso significa.

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