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 | Albari Rosa
| Foto: Albari Rosa

O comerciante José Emílio Hain planejava ter um filho engenheiro, mas errou em um dos cálculos. Assim que o guri nasceu, deu-lhe de presente não uma régua, mas uma bicicleta. Das boas. Uma sueca, da imponente marca Husqvarna, aro 26, feita para homens de pernas longas. Guardou-a como se fosse uma joia de família, com a promessa de entregá-la no tempo certo.

Reinaldo, o rebento, cresceu olhando para a Husqvarna – uma promessa de liberdade guardada nos fundos de casa. O jejum demorou 14 anos, idade com a qual a ponta dos seus pés alcançou o pedal sem que ele caísse do selim. Equivaleu a cruzar a Floresta Negra. A iniciar-se. A uma página de Zaratustra.

A engenharia, claro, saiu derrotada, levando o jovem Hain a se tornar o que é hoje – o mais longevo vendedor de bicicletas de todas as araucárias, salvo prova em contrário. São 55 primaveras de serviços prestados às duas rodas. Em tempos de fartura, chegou a desovar 12 mil unidades num único ano, algo como lançar mil novos pedalantes a cada 30 dias. Permaneceu a postos, missionário, em épocas de penúria, como o gélido 1957 – aquele em que apenas os negociantes de galocha fizeram fortuna. A turma da Bicicletada lhe deve um corso. Não fossem os Hain, talvez o cicloativismo nem sequer florescesse por aqui.

Tudo começou em 1944 – em meio ao cinto apertado da Segunda Grande Guerra. Importar, uma lenha. Emílio e mais dois freunde de chucrute abriram um balcão de bicicletas 100% alemão. Ou quase – um deles se chamava Henrique Pojda, era polonês, "mas nasceu na Alemanha", garantem os herdeiros da Agência Bicicleta, loja nascida há exatas sete décadas, com festejos marcados para este 24 de abril. Fica na Rua Barão do Serro Azul, 469, na frente do "Homem Nu". Tire uma foto.

As "bodas de vinho" da Agência, diga-se, ultrapassam uma simples efeméride a ser registrada nos anais da Associação Comercial do Paraná. O uso da bicicleta se confunde com a história da cidade no século 20. E a loja dos Hain se confunde com a história da bicicleta na cidade. Não é paçoca ideológica. É fato. No tempo todo em que os Hain se mantiveram a postos, assistiram a pelo menos cinco fases do uso desse meio de transporte. (Sem falar o pocket show que Vanusa e Antônio Marcos – calça boca de sino – deram ali, num dia qualquer dos anos 1970. Não, ela não cantou o Hino Nacional).

No início eram os operários, para os quais a Agência foi aberta. Trabalhavam nas ferragens Müller, ali em riba, onde brotou um shopping, e faziam economia braba para comprar as importadas da marca NSU, Wanderer, Dürkopp ou Goricke. Depois vieram os velocistas e os viajantes. Na década de 1960, quando as Vemaguetes e os Gordinis atazanavam o trânsito, bicicleta passou a ser coisa de gente que morava do Portão para lá. "Tinha congestionamento de bicicletas, acredita?" Nos 1970, surgiram os modelos para crianças e para as moças. Para aquecer a era das pedaladas recreativas, a contenda entre Monarks e Calois. Qual a melhor? E, agora, a "bicicleta de passeata", essa delícia que estamos tendo a honra de presenciar.

Hain, abençoado pelo deus Hermes, acalanta alegres memórias do balcão. Distrai-se olhando os livros caixa, feitos à mão, iniciados em 1944. Passa o dedo, nome a nome – passe de mágica. Lembra do jeitão que tinham. Da família. De ouvir falar. O primeiro cliente da loja – Henrique Marquardt, em 28 de abril de 1944. Depois vieram o Janisk, Rachel, Blatt... O Helmut Ziedel entrou para a sociedade. O Roessner "tinha uma papelaria". O João Haupt usava bicicleta para entregas. O mesmo se diga do Essenfelder, o dos pianos. Da Brahma. Do Durval Stelle, de Palmeira, "pessoa maravilhosa".

A alemãozada do interior – Marechal Cândido Rondon, Corbélia e quintais – adorava os encantos da marca Wolf, montada até hoje na Agência Bicicleta, agora um fetiche dos adeptos de objetos vintage. Prossegue. Já eu quero saber por que permanece ali. Poderia deixar tudo na conta do filho. Mas não. Adora ver a cara das crianças quando escolhem sua primeira bicicleta. "Não tem preço", decreta. A pessoa é para o que nasce. Fim de papo. Lembro da minha cara. Lembre da sua. Cá entre nós, lojas de bicicletas são patrimônio da humanidade, pois ali são produzidos os dias mais coloridos de nossa infância (pausa para a emoção, é de direito).

Ah, Reinaldo Hain ainda pedala sua Husqvarna, aquela. Passeia com a bela no Alto da XV, onde mora. Final feliz.

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