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Eu sou péssimo com pequenos consertos domésticos. Na verdade, é mais que isso: eu não sei fazer nenhum serviço doméstico. Chega a ser meio embaraçoso. Esses dias, quebrei acidentalmente a tampa de um filtro de cerâmica daqui de casa. Minha reação inicial foi lembrar que meu pai estava na praia e só voltaria a Curitiba no fim da semana. Então teria de passar alguns dias com uma tampa de panela improvisada no lugar antes de pedir ajuda.

Depois, lembrei que o porteiro do prédio, o seu Albanês, é provavelmente a pessoa mais engenhosa que eu já conheci na minha vida. É daqueles sujeitos capazes de montar uma bomba H com uma tampa de caneta, duas pilhas e um controle remoto quebrado. Mas não, não. Pedir ajuda para uma tarefa tão simples seria humilhante demais. Era hora de me assumir como adulto e começar a resolver essas coisas da vida sozinho.

Arranjei uma cola. Fiz questão de ler o rótulo e me certifiquei de que era específica para cerâmica. Não haveria de ser tão difícil. Por sorte, a tampa quebrou em apenas quatro pedaços. Colar os dois pedaços maiores até que foi simples. Joguei o máximo de cola que consegui, usei o dedo como espátula e juntei.

Quando fui colar o terceiro pedaço, porém, o castelo de cartas ruiu. Quando consegui encaixar a segunda e a terceira peça, a primeira se soltou. Aí, quando fui encaixar a primeira na segunda, a terceira caiu. Era só pensar em unir a terceira e a primeira que a segunda desmoronava. E, a cada novo fracasso, minha mão e a tampa iam ficando mais melecados. Até que chegou um momento em que todas as peças se uniram. Entretanto, em poucos segundos, a peça desmoronou sozinha e, finalmente, decidi que esse negócio de colar cerâmica não era para mim.

A tal da cola de cerâmica se provou inútil para colar cerâmica, mas para a pele ela foi muito eficiente. Além disso, o cheiro era insuportável, nauseante. Tinha de me ver livre dos vestígios na minha mão. Tentei lembrar das aulas de Química do ensino médio: o que pode dissolver cola sem dissolver a pele? A primeira coisa que veio à cabeça foi vinagre. E, como era de se imaginar, não adiantou para nada. Nas aulas de Química, eu acho que aprendi que o oposto de vinagre é limão (outra coisa em que eu não sou muito bom: Química). Então, bora tacar limão para dissolver a cola e o vinagre. Claro que também não deu certo. E, àquela altura, a mistura de cola, sabão de coco, vinagre e limão já tinha virado uma arma proibida pela Convenção de Genebra.

Menos mal que me rendeu uma história engraçada. Mas a reação que eu esperava foi exatamente oposta. Em vez de ser saudado por meus amigos com escárnio, todos eles se mostraram incrivelmente solidários com a situação. Um deles contava do dia em que resolveu consertar o chuveiro e passou uma tarde inteira de sábado brigando contra um veda-rosca. Outro resolveu pendurar um quadro na casa da mãe. Deve ter usado até um teodolito para garantir que a moldura ficasse reta. Claro que o negócio formou um ângulo de uns 20 graus em relação ao teto.

Todos eles também se lamentavam. "Meu pai é tão bom nessas coisas, por que eu não sou assim?" Cheguei à conclusão de que não é um problema individual meu, e sim um defeito da nossa geração. Enquanto a maior parte dos homens com mais de 50 anos sabe e gosta de cuidar da sua casa, nós que nascemos nos anos 80 não sabemos nem a diferença entre um prego e um parafuso.

Nossa geração cresceu no mundo da obsolescência programada. Cada vez mais as coisas são feitas para não durar – computadores, eletrodomésticos, móveis, relacionamentos, empregos, times de futebol, tudo é feito com um prazo de validade. Então, esses moleques de classe média cresceram conformados com a ideia de que tudo quebra, tudo acaba e não vale a pena consertar nada.

Ou, uma segunda hipótese, esse é um talento que vem com a idade. Talvez, aos 30 anos, nossos pais fossem igualmente incompetentes para esse tipo de tarefa. E, se formos pensar, a diferença de expectativa de vida entre essas duas gerações é tão grande que, na prática, dá para dizer que somos mais jovens hoje com 30 anos do que eles na mesma idade.

São duas hipóteses plausíveis. Ou talvez seja só lorota. De qualquer maneira, com essas desculpas na cabeça, fica bem menos embaraçoso ligar para um marido de aluguel.

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