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O menino está de olhos grudados na tela de seu telefone. Sua interlocutora é uma menina da escola. Ele acha que a menina está interessada nele. Não tem certeza. Não sabe o que dizer/escrever. Com a inocência de um anjo, se vira para mim:

"Mãe, o que é que eu escrevo?"

É a mesma pergunta que me faz quando seu dever de casa é a produção de um texto. "O que é que eu escrevo?" A diferença é que o trabalho escolar não o deixa tão nervoso quanto a insistência da menina em se comunicar com ele.

Sugiro uma frase para fazer engrenar a conversa. Ele pede mais. Eu sugiro mais uma, mas lanço a advertência: avalie se isso faz sentido para você.

O que me preocupa é a linguagem. Não domino o vocabulário dos adolescentes. Tem palavras que eles usam com naturalidade que me soam agressivas. "Fulano está pegando Fulana." Horrível. Mas eles falam isso entre si candidamente, como se fosse português castiço e não uma linguagem de apelo sexual. O que é que eu esperava, que ele flertasse usando versos da Florbela Espanca?

O conteúdo da paquera não pode ter mudado tanto. Mas as palavras, essas são novas. Ou são as velhas agora usadas em novo contexto. Olha o caso do "pegando". Desconfio que seja influência dos funkeiros. Soa agressivo vindo da boca de um menino. Soa estranho na boca de uma menina.

O menino gosta de minhas sugestões e aceita todas. E não é que funciona? A conversa engrena e a interlocutora, rápida nas respostas e nas perguntas, não para mais. Sabiamente, ele se afasta de mim e vai clicar suas respostas escondido no quarto, livre da minha influência.

A portuguesa Florbela Espanca talvez não seja a melhor poeta para ser citada aqui. Ela era intensa demais. Não à toa, seu poema mais famoso no Brasil (porque foi musicado pelo Fagner) se chama Fanatismo. É lindo e dramático: "Minh’alma de sonhar-te anda perdida / meus olhos andam cegos de te ver". As palavras finais são épicas: "Podem voar mundos, morrer astros / que tu és como Deus: princípio e fim!"

Fanatismo, o poema, é do início do século 20. A canção é de 1984, aquele ano em que todos liam o livro do George Orwell sobre o Grande Irmão, e em que o Brasil se movimentava para pedir eleições diretas para presidente. O sonho não durou muito. Em abril, a emenda Dante de Oliveira foi rejeitada e "Diretas-Já!" virou só um plástico colado nos automóveis. Na época, tenho certeza, as pessoas usavam os verbos paquerar e namorar. Devia ter variações, que esqueci.

Meu filho deve ter traduzido meu vocabulário modelo 1984 para algo mais moderno porque – veja só! – a conversa teclada no telefone prosperou. Agora ele não me pergunta mais nada e ainda vira a tela para eu não ler o que está escrevendo. Isso deve ser um bom sinal.

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