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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Nesta semana encontrei o seu Adolfo, que estava inconformado. Antes de contar porque ele estava assim, explico que não o conheço e acho que nunca o verei de novo. Mas o homem estava em um momento de inspiração, que não dá para desperdiçar. Seu Adolfo estava irritado porque seu netinho, depois de sofrer anos com problemas de saúde, recebeu finalmente um diagnóstico. Francisco, este é o nome do garoto, tem uma intolerância a corantes e conservantes. Por isso está proibido de comer vários alimentos industrializados. O médico entregou aos pais do Francisco uma longa lista de itens que ele deve evitar. O problema, explica seu Adolfo, é que a maior parte dos alimentos ofertados para crianças é colorida artificialmente. Ou seja, o menino vê doces, cereais matinais, refrigerantes, bolachas e não pode comer nada. Por isso sofre e a família sofre junto.

Conclusão do seu Adolfo: o mundo, hoje, nos oferece consumo demais, um universo tentador de oportunidades e de prazer, mas se você mergulhar nele está perdido. "Olha quanta gostosura!", diz ele girando a cabeça pela padaria onde fez seu discurso e onde o encontrei. "Mas tudo isso tem que ser consumido com muita moderação, se não você vai acabar como eu" (ele é gordo). Segundo seu Adolfo, quando ele era criança as boas padarias vendiam quatro tipos de pães, leite e manteiga. Às vezes o padeiro se inspirava e fazia sonhos ou pão doce. "Agora só não vendem cocaína porque dá cadeia".

E lá se vai seu Adolfo, de cara amarrada. Outro cliente diz, após sua saída: "Gordinho lelé".

Não, ele não é lelé.

Faço aqui uma defesa pública do seu Adolfo, que acho que está coberto de razão. As tentações proliferam porque são elas que nos fazem consumir – consumir de alimento a sexo, de música a eletrônicos, de viagens a banheiras e ô-furos. Fazem trabalhar várias indústrias, inclusive algumas ilegais ou não muito respeitáveis.

Sem as tentações, seríamos pessoas menos ansiosas. Para explicá-las, há centenas de anos se fala nos demônios. Pois os demônios andam soltos por aí, nas padarias, supermercados, lojas, computadores, tevês, sempre prontos para nos tentar.

A abundância tem a ver com a sofisticação do mundo moderno. Temos muita informação, que nos possibilita manter essa oferta gigantesca de alimentos, aperfeiçoar a tecnologia constantemente – o que resulta em novas máquinas e novas versões para as velhas máquinas. Sempre dá para ter algo melhor, desde que o dinheiro banque. Ah! É verdade. Nem sempre o dinheiro banca, mas o fulano compra do mesmo jeito – estão aí os endividados, que não me deixam mentir. A mesma ciência que permite que alimentos totalmente artificiais sejam tentadores e tenham vida longa nos informa que eles acabam com nosso estômago, entopem nossas coronárias e formam cálculos nos rins. Alguém cria a tentação e depois vem outro e nos comunica que ela é do mal.

Fui atrás do seu Adolfo para perguntar se poderia comentar sua história no jornal. Foi aí que soube o nome dele e o do neto. Expliquei minha intenção. Não se opôs. Confessou que ele mesmo já caiu em todas as tentações que lhe passaram pela frente. "Mas a única em que me enredei foi a comida. Engordei na mocidade e agora não emagreço nem com regime de alface e agrião". Ele também expandiu seu raciocínio sobre outro campo da vida humana: "Tá sobrando mulher. Tá sobrando homem. De tanta oferta, os que procuram estão confusos. Neste mundo de hoje, minha filha, quem sabe o que é bom é rei".

Fica aqui a dica de alguém que entende de tentações.

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