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Anos atrás havia um plástico colado em vidros de automóveis que dizia: "Filhos? / Melhor não tê-los! / Mas se não os temos / Como sabê-lo?". Trata-se de um trechinho do Poema Enjoadinho, de Vinicius de Moraes. Tenho minha própria versão: "Filhos, melhor não tê-los, mas sem tê-los, como mordê-los, cheirá-los, beijá-los e pegá-los no colo?" Porque, lá no fundo, é para isso que as pessoas têm filhos, para agarrar sem culpa aquelas criaturas encantadoras que são as crianças. E até ter a sorte de ser beijado, mordido e agarrado por elas também.

O ser humano precisa agarrar o ser humano. É um instinto básico que está totalmente relacionado com a preservação da espécie. Não li essa Teoria da Agarração na revista Science, nem saiu na capa do New York Times. É palpite mesmo, leitor.

Pense comigo: se não precisássemos e não gostássemos de beijar aquelas bochechinhas fofas e de sentir aquele cheirinho delicioso, quantos de nós enfrentaríamos a trabalheira infinita que é cuidar de uma criança? E se não tivéssemos uma necessidade intrínseca do contato físico, não haveria entre nós quem abdicaria do sexo para evitar encrenca e levar uma vida tranquila?

Desconfio que partes inteiras dos continentes estariam desabitadas se não houvesse essa necessidade básica da "pegação" (usando um termo emprestado dos adolescentes). O Hemisfério Norte certamente teria só algumas aldeias isoladas com poucos habitantes – a maioria, imigrantes. Os nativos teriam passado seus últimos anos muito tranquilamente depois de abrir mão do contato físico. Teriam acumulado vasta cultura e desenvolvido tecnologias sofisticadas, já que gastariam tempo e energia apenas no trabalho e no lazer, sem perder tempo com casamentos, divórcios, paixões, traições e criancinhas que precisam ser vigiadas 24 horas por dia durante uns 18 anos. Ouviriam as longas óperas de Wagner, concentrariam-se na leitura de A Montanha Mágica, de Thomas Mann, e estudariam complicados tratados de física quântica. Tudo isso sem ser interrompidos por um cônjuge que prefere ir ao shopping ou uma criança que tem fome, mas não sabe se virar sozinha. Mas aí viria a extinção. Paga-se um preço por tanto sossego.

Vinicius, no fundo, compartilha minha percepção de que os filhos são uma grande aventura sensorial, da qual tios, avós e padrinhos também podem desfrutar de vez em quando. Termina assim o poema: "Que macieza nos seus cabelos / Que cheiro morno na sua carne / Que gosto doce na sua boca! / Chupam gilete / Bebem shampoo / Ateiam fogo no quarteirão / Porém, que coisa louca / Que coisa linda / Que os filhos são!"

Estamos ditos.

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