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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

Depois de uma longa temporada no mar, o marinheiro retorna. A esposa mantém uma pensão para veranistas e entre os hóspedes está um poeta. O marinheiro conta ao poeta “com seriedade cômica” que observou algo estranho em alto mar. O mar inteiro cheirava a bolo saído do forno. “E que o quente e delicado aroma penetrava-lhe as narinas com tanta sedução que até lhe doía o coração”. Até para o poeta Heine aquilo soou como demasiado delirante.

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Só quem nasceu antes da explicação científica viu a mágica. Quem nasceu depois só pode ver a ilusão de ótica

É de manhã. Em uma praia da África, um pescador faz consertos em seu barco. Logo adiante, onde há meia dúzia de barracas de palha, um grupo de homens discute. Crianças brincam na areia. Aproveitam que o sol ainda não está forte, que a brisa é fresca. As crianças são as primeiras a ver, voltam-se para os adultos em busca de explicação. Eles não notam. Até que um deles também vê e pergunta “O que é aquilo?” É um navio que flutua não muito longe dali, sobre o mar. Ele voa no ar, não navega nas águas. Talvez trouxesse uma bandeira, já que foi identificado como sendo holandês. Uma ilusão de ótica das mais fantásticas, uma fata morgana verdadeira. Anos mais tarde este tipo de miragem seria explicado pelos matemáticos. Tarde demais para as crianças que brincavam naquela manhã, para o pescador que acreditou ter visto o navio fantasma que vinha entregar cartas para os marinheiros que se afogaram no Cabo da Boa Esperança. Tarde demais porque eles viram o Holandês Voador, a lenda que virou ópera. Só quem nasceu antes da explicação científica viu a mágica. Quem nasceu depois só pode ver a ilusão de ótica.

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A mulher está acamada. Medicada para não sentir dor, delira. Em meio à austeridade que a doença impõe ao ambiente, o gato amarelo entra pela porta entreaberta. Ninguém o percebe até que pule sobre a cama e se aproxime da doente. Ela abre os olhos. Por um segundo parece desperta. Alguém quer pôr o gato para fora. Outro notou o momento de interesse nos olhos dela e pede que o deixem. Deitado sobre o corpo dela, ele a observa. É uma esfinge. Ela corresponde ao olhar do gato e sorri levemente. Parece interessada. Vira um pouco a cabeça para a esquerda. Ninguém interrompe. Os dois se olham por alguns minutos. Ele perde o interesse e vai embora. Ela fecha os olhos e dorme. Tempos depois, revela seu segredo. Não viu um gato, mas um tigre. Ele interagia com ela, ao mesmo tempo perigoso e amigável. Estendia-se sobre seu peito, abria e fechava os olhos, alongava a enorme pata em direção ao seu rosto. O medo e a interação com uma fera a fascinaram. “Foi um delírio causado pela medicação” – explicaram. Não importa. De alguma forma o tigre existiu e ela ainda se sente especial por tê-lo conhecido.

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