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Como a família, a cidade onde nascemos influencia na formação do adulto que seremos. Se nos afastamos dela ainda pequenos e vamos morar em outro lugar, não temos tempo de absorver sua influência, mas para sempre ela ficará na nossa biografia, como um motivo de orgulho ou como curiosidade. O sujeito pode morar em Nova Iorque, mas se tiver nascido em Kaloré terá sempre essa informação bem viva em algum cantinho da cabeça. Quando viver um momento de glória, do tipo ser promovido a presidente da empresa, receber uma homenagem comovente ou ganhar um Oscar ou um Nobel (por que não?), vai pensar, com orgulho: "Saí de Kaloré e cheguei aqui!" Se, por outro lado, sentir-se desconfortável porque está em um ambiente estranho demais para ele, também vai pensar: "O que eu, que nasci em Kaloré, estou fazendo aqui?"

Não escrevo isso fazendo pouco de quem nasceu em Kaloré ou em qualquer outra cidade pequena – estou apenas relatando o que aconteceu comigo, peabiruense que já se perguntou algumas vezes "o que estou fazendo aqui?".

Por essa carga cultural-emocional que o local de origem representa ser tão forte, é saudável trocar de cidade por uns tempos. Ou, melhor ainda, trocar de estado ou de país. O novo ambiente nos faz mudar. De que jeito mudaremos? Só pagando para ver. Certa vez ouvi contarem sobre uma família de Joinville que enviava os filhos para estudar na Alemanha. Perguntaram à caçula por que ela adiava sua própria viagem. Ela explicou que, depois de ver como seu irmão voltara diferente da experiência, ficou com medo: tinha certeza de que nunca mais seria a mesma e não conseguia prever de que forma sua personalidade emergiria.

Mudar de cidade é uma experiência transformadora porque coloca novas perspectivas em visões que antes eram absolutas. As certezas mais simples (do tipo "nós somos assim e o resto do mundo é assado") se diluem. Se bem aproveitada, a experiência é libertadora.

Nós, os interioranos, carregamos o peso de uma suposição: sempre supomos que a cidade maior é mais interessante que a nossa e, por isso, podemos nos sentir inferiorizados. Besteira. A não ser que você viva em uma das cinco ou seis cidades que têm fama de capitais do mundo, todo o resto é interior. Hamburgo é interior em relação a Berlim. Wa­­shington é interior em relação a Nova York. Kioto é interior em relação a Tóquio. O Brasil inteiro é interior em relação a Rio e São Paulo. E nem por isso Rio e São Paulo podem se gabar de oferecerem as melhores con­­dições de vida. Ou de reunirem as mentes mais interessantes. Há mentes interessantes e mentes tacanhas espalhadas de Norte a Sul. O que diferencia os da metrópole dos demais é como eles se sentem: se sentem seguros de que são mais espertos, mais descolados. Os demais tendem a se subestimar, a se intimidar e daí surgem as conversas sobre provincianismo.

O provincianismo só existe entre pessoas que dão muita importância ao que seus pares (da mesma cidade) pensam dela. Por isso estão sempre esperando um reconhecimento especial, que nunca é suficiente. Aí vem a amargura, porque a expectativa das vítimas do provincianismo é ser aceita por um grupelho e não pelo mundo.

O único "problema" real é que o mundo está repleto de lugares interessantes e, para piorar, tendemos a nos apegar as pessoas com quem cruzamos. Assim, corremos o risco de querer viver em dois lugares diferentes ao mesmo tempo. Não dá. Que pena.

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