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A história foi contada por Antonieta. Jesus, seu pai, quando a notava com preguiça de ir a um compromisso, avisava: "Vá, minha filha, seus colegas podem NÃO sentir sua falta". Pequena, ela não entendia; deixava o enigma no ar. Adolescente, concluiu que o pai, pessoa simples, enfiava um "não" onde a negativa não cabia. Adulta, pediu explicação. Resposta de Jesus: coisa triste é descobrir que ninguém sente sua falta quando você não está. Pior ainda é quando você não vai e ninguém nota.

Jesus era operador de telex. Quando o fax chegou, no início dos anos 90, pediu aposentadoria. Tinha 60 anos e trabalhava desde os 14 anos. Depois da festinha que fizeram para ele na firma, foi para casa, no Novo Mundo, levado por Antonieta. No Ford Escort da filha, comentou: "Amanhã não vão nem se lembrar de mim. Por causa do fax". Antonieta ficou preocupada com o pai. Não precisava. Ele também não sentiu falta do antigo trabalho. Vivia ocupado com seus passatempos, usava sua habilidade de digitador para ajudar uma escola pública a preparar as provas. Viveu mais 23 anos após a aposentadoria. Já os colegas de Jesus sentiram, sim, a sua falta. Se não por mérito dele, por culpa do fax que vivia falhando nas horas mais indevidas.

Antonieta me contou essa e outras histórias sobre seu pai quando a entrevistei para fazer o obituário dele para o jornal. Me lembrei deles nesta semana quando avisei os colegas de um grupo de trabalho que não poderia participar de uma reunião. Depois das explicações, desabafei: "Espero que sintam minha falta". É vaidade? Também, mas não só. É medo de se descobrir inútil. De descobrir que não é importante naquilo que importa pra você.

No mundo do trabalho esse tipo de preocupação é epidêmico. Bobagem. Vão nos esquecer de qualquer jeito. Ou virão os novos que nem sabem que existimos. Quem foi para Portugal perdeu o lugar. Quando D. João VI voltou para sua terra, D. Pedro I tomou o lugar dele e se tornou imperador do Brasil. Desde então os brasileiros vivem repetindo isso, sabiamente.

Falando em Portugal, vem de lá a história do Angolinha, contada pelo cronista Miguel Esteves Cardoso. O puto, como dizem eles, começou a jogar futebol profissionalmente aos 13 anos. Um fenômeno. Isso lá pelos meados dos anos 40. Mas logo o talento do garoto perdeu vigor e ele foi relegado ao banco de reservas. Angolinha mudou o estilo de jogar. Se tinha chance de entrar em campo, chutava canelas e distribuía cotoveladas. Quando o treinador chamou sua atenção dizendo que ele ia ficar famoso pela truculência, ele replicou: "Eu quero é ser lembrado". Funcionou, mas ele teve de mudar de profissão.

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