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Luciana Worms

Menos adjetivo, mais substantivo

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Todo mundo tem opinião. Esta é uma página de opinião. Mas, como disse um amigo jornalista esses dias: "A opinião da Dilma interessa. A opinião dela pode mudar as nossas vidas. Mas a dos demais só interessa se embasada."

Zeca Baleiro citou – em seu texto "A rede idiota" (na IstoÉ), que caiu no vestibular da UFPR (2009/2010) – o escritor norte-americano Philip Roth: "As pessoas estão cada vez mais idiotas, mas cheias de opinião". O professor de português daqui de casa sempre diz: "ninguém precisa de escola pra ter opinião... Fato é muito mais importante que opinião".

Bom... há duas semanas escrevi o primeiro texto desta coluna. Foi quase lírico. Falei do porquê de ter aceitado escrever aqui, de ser professora, da educação no Brasil... Semana passada o texto foi basicamente informativo. Expliquei por que a Índia tem sido considerada o pior país pra se nascer mulher. Claro que nos dois falei de mim. Toda vez que nos expressamos, mostramos nossas ideologias – texto escrito, texto falado, desenhos... Sempre somos parte. Não há imparcialidade.

Mas alguns leitores se ressentiram de eu não explicitar mais o que eu achava da questão do estupro na Índia. Puxa... Mas só o fato de eu ter escolhido aquele tema já demonstrou minha opinião. Eu podia ter escrito sobre o Gandhi. Da sua luta pela independência e principalmente da sua luta pra não ver a Península Indostânica dividida. Hindus e muçulmanos em guerra – pra mim, inclusive, seria bem mais fácil. Mas eu falei da condição da mulher no país. Foi mais uma conversa de mulherzinha, portanto.

Passei a semana intrigada com essa reclamação. A dos que esperam que eu diga "eu" no que escrevo.

As redes sociais têm me deixado assustada não pela superexposição, já tão falada em verso e prosa, mas pela proliferação de discursos "cheios de razão" que elas acentuam. O tal do "comente" gera um grande e inútil debate. Com defesas ardorosas e extremas.

Esses dias postei no Facebook umas fotos minhas com o ministro Dias Tóffoli no dia de sua posse, em 2009 – sou colega e amiga do ministro. No mesmo evento, fui fotografada com o ministro Joaquim Barbosa. Assustador... Comentários imediatos: "Como você pode sair na foto com o amigo do Zé Dirceu?", "Você não tem vergonha de sair na foto com o algoz do Zé Dirceu?" ou "Parabéns por ser amiga do amigo do Zé Dirceu", ou ainda "Parabéns por ser fotografada ao lado do maior herói brasileiro". Gente, foram só fotos!!! Passei as fotos para os amigos interessados e retirei todas. Cansei de "escutar" opiniões.

Confesso que gosto do Facebook. Através dele, e do já ancião Orkut, reencontrei amigos de primário, ginásio, colegial, faculdade... É sempre uma delícia quando encontro ou sou encontrada por alguém que não vejo há 10, 20, 30 anos ou mais. Mas não me ofendo de falarem mal do "Fb". Em dezembro, numa festa, o jornalista Eugênio Bucci contou aos presentes que havia escrito um texto chamado "Por que nunca entrei no Facebook" (saiu na Época, em 12 de junho de 2012). Disse, em tom de brincadeira, que se tivesse defendido a volta da escravidão no Brasil não teria sido tão atacado.

A palavra-chave aqui é repertório. A internet nos dá uma quantidade impressionante de informações. Sem sair da cadeira encontrei os textos do Zeca Baleiro e do Eugênio Bucci. Mas eu já sabia desses textos, eles constavam do meu repertório. A rede me proporcionou acessá-los com agilidade inimaginável há algum tempo.

O problema é que a rede encoraja um monte de gente sem conteúdo a expressar opiniões vazias. Voltando ao professor de português aqui de casa, "é muito adjetivo e pouco substantivo".

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Luciana Worms é advogada, radialista, professora e autora de Brasil século XX – Ao pé da letra da canção popular, vencedor do Prêmio Jabuti

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