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Enquanto escrevo ouço colegas que chegam da rua fazendo comentários sobre o calor. Comentários sobre o clima nunca são muito variados e o que ouço é "ui, que calor". Ou sou variante "Nossa, que calor". Foi assim a semana inteira. Pode ser que você que me lê já esteja vivendo em outra situação, agasalhado em um moletom, como um feliz habitante de uma região temperada. O clima muda rápido. Pois eu escrevo como se morasse em uma floresta tropical dizimada pela serra elétrica. Só sobrou o sol escaldante, o calor que entra por portas e janelas, atravessa paredes e não sai mais.

No caminho entre o Cascatinha, onde moro, até o Centro, vou observando o que muda nestes dias em que vivemos um verão senegalês. Muda a roupa, no caso das mulheres, para melhor. Há muito tempo não se via tantos vestidos e saias coloridos nas ruas da cidade. Os homens também mudam de roupa e fazem umas combinações que os transformam em meninões de pernas curtas. Mas sejamos benevolentes. O verão não vai durar muito. Amanhã ou depois tiramos a blusa de lã do armário e voltamos a ser nós mesmos.

O colega sentado na minha frente é um termômetro vivo. Quando faz muito calor, seus ombros ficam mais curvados, a franja um pouco molhada de suor lhe dá um ar de jovenzinho e sua permanente revolta contra os disparates deste mundo (e o que não são disparates neste mundo?) não se manifesta com tanta frequência. Acho que o calor amolece meu colega durão. Para quem não está acostumado —, como os curitibanos não estão — um dia de temperaturas altas equivale a tomar um vidro de maracujina. Derrete o corpo e o ânimo. Alguns ficam mudos; outros irritadiços.

Assim como o frio ajudou alguns exércitos a vencer batalhas, o calor deve ter derrubado outras tropas porque lhes tirou a disposição. Imagine aqueles marines bem treinados lá das montanhas do Colorado ou do subúrbio de Washington suando em bicas enquanto avançavam pela floresta úmida do Vietnã... Não é a toa que todo filme sobre a guerra que se preza tem a cena do soldado angustiado em um quarto de hotel com um ventilador de pás girando no teto, enquanto os vietnamitas passavam lá fora com jeito de não-estou-nem-aí. E eles insistem no erro. Agora os americanos estão no Iraque, patrulhando regiões semidesérticas, sempre protegidos por uniformes, coturnos e coletes à prova de bala. Não parecem muito confortáveis. Não vai dar certo. O calor derrete, amolece.

Se os americanos ou os russos entrassem em guerra com o Brasil (sei lá porque fariam isso, só busco o efeito retórico), onde você acha que se dariam bem? No Ceará, onde depois de tomar uma brisa em Fortaleza teriam de avançar sobre o agreste? Ou em Curitiba, onde se sentiriam confortáveis com o clima ameno que temos na maior parte do ano, pelo menos para os padrões dos russos e do Obama, que é de Chicago (40OC no verão e -30OC no inverno)? É claro que se dariam bem aqui, batalhando durante as quatro estações. Além do mais, iriam se entusiasmar com alguma particularidade local (o pinhão, talvez?) e decidiriam ficar para sempre. Um ano depois, estariam reclamando de toda mudança climática, como nós fazemos. Mas aí a guerra já teria acabado.

Marleth Silva é jornalista.

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