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É abril e os jornais portugueses falam diariamente de Salgueiro Maia, o herói da Revolução dos Cravos. Leio esses diários por mera curiosidade: país estranho Portugal, sempre às voltas com as imigrações intermináveis, com os dilemas entre a modernidade e a tradição. Uma intuição me diz que vou aprender algo com os portugueses, talvez a escrever sobre qualquer tema como se fizesse poesia. São poéticos, os portugueses.

Assim como, neste momento, no Brasil se discute Março de 64, os portugueses lembram a Revolução de Abril de 1974. Como aqui, discutem se foi golpe ou se foi revolução aquele movimento militar que derrubou Marcelo Caetano, o ditador que substituiu Salazar em um dos mais longos regimes autoritários da Europa. O homem que assumiu o papel de líder e chamou a soldadesca à ação foi Fernando Salgueiro Maia, um capitão de apenas 30 anos. Dizem que não era um democrata e certamente não estava imbuído de um espírito messiânico, desses que encarnam nos revolucionários e que os convencem de que eles, e só eles, sabem o que é melhor para o povo. Depois da revolução, Salgueiro Maia enfrentou muita politicagem, recusou os cargos que os governos democráticos lhe ofereceram e seguiu uma carreira modesta dentro do Exército. Morreu jovem, aos 47 anos.

O chamado de Salgueiro Maia, que convenceu os soldados a segui-lo e ocupar os prédios do governo salazarista, foi o mais direto e simples possível. Ele teria dito: "Meus senhores, como todos sabem, há diversas modalidades de Estado. Os Estados sociais, os corporativos e o estado a que chegamos. Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegamos! De maneira que, quem quiser vir comigo, vamos para Lisboa e acabamos com isto. Quem for voluntário sai e forma. Quem não quiser sair fica aqui!"

Esta última frase reflete uma lógica portuguesa que para nós, brasileiros, soa como redundância: "Quem não quiser sair fica aqui!" Todos quiseram sair e seguiram o capitão. A primeira frase dele é de uma simplicidade cristalina. Portugal vivia o "estado a que chegamos". Um estado inclassificável, uma ditadura à moda lusitana. Algo ruim, em suma. Há momentos na vida de um país em que o mais importante não é lutar para fazer valer sua ideia. Há momentos em que o importante é acabar com o "estado a que chegamos".

Os militares ocuparam as sedes do governo e o próprio Salgueiro Maia conduziu Marcelo Caetano ao aeroporto, onde embarcou para o exílio no Brasil. Ao perceber que a ditadura havia acabado, os portugueses comemoraram fazendo festa para os soldados nas ruas. Davam a eles o que tinham nas mãos, como forma de agradecimento por terem tido coragem de acabar com o "estado a que chegamos". Um homem deu um presunto ao capitão Salgueiro Maia. Os jornaleiros entregaram aos soldados os primeiros exemplares de jornais publicados livremente, sem passar pela censura prévia. As floristas do Rossio distribuíram cravos para os soldados. Talvez tenham achado que cravos são flores mais apropriadas para homens. Eram cravos brancos e vermelhos, mas os fotógrafos que registraram a cena preferiram focar nos vermelhos, mais fotogênicos. Dessa forma singela, nasceu um dos símbolos mais fortes e bonitos da vida política do século 20. Os portugueses mostraram que sangue e poesia lhes correm nas veias e fizeram a Revolução dos Cravos.

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Um pai leva o filho para conhecer o gelo; dois amantes fazem o mundo sentir o que é o amor verdadeiro; um velho se apaixona por uma menina e fala desse romance em um livro despudoradamente chamado de Minhas Putas Tristes. Foram mundos criados por Gabriel García Márquez, cuja morte provoca tristeza no coração de leitores do mundo inteiro.

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