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 | Felipe Lima
| Foto: Felipe Lima

É notícia velha, mas é boa. Um inglês de classe média jogava os mesmos números na loto há anos. Era tanto tempo jogando os seis números que até a mulher e a filha já sabiam quais eram. Uma semana, o inglês parou na lojinha onde fazia a aposta e, enquanto esperava na fila (admito que estou inventando os detalhes, mas é para facilitar a compreensão), viu em exposição os cartões de Dia dos Namorados. Na In­­glaterra, a tradição manda que se dê à pessoa amada um cartãozinho romântico no Dia de São Va­­lentim (14 de fevereiro). Por lá, a cartolina colorida é mais importante que o presente.

Pois o inglês (vou chamá-lo de James) percebeu que estava dando uma bola fora com a esposa porque tinha esquecido a data. Escolheu um cartãozinho e foi para o caixa. Acabou ficando sem dinheiro para pagar a aposta na loto. "Paciência, a paz matrimonial é mais importante", pensou James (estou inventando de novo..., mas é para o seu deleite, leitor). Pois não é que quis o destino, ou Deus, ou o diabo, que os seis números que James sempre jogava saíssem naquela semana. James deve ter sentido um frio na espinha, mas o pior ainda estava por vir.

Sua esposa e as duas filhas re­­conheceram os números ganhadores e reagiram muito mal ao gesto romântico que lhes roubou a chance de ficarem milionárias. Vi os quatro dando entrevista na BBC. Sentado no sofá, James parecia um menino que foi pego roubando dinheiro da avó. Cabeça baixa, mãos unidas, tristeza e vergonha no rosto. A mulher e as filhas, sentadas um pouco longe dele, exibiam braveza, contrariedade e até mágoa. Nem tentaram disfarçar. Estavam bravas com James, o calhorda que teve um impulso romântico e não fez o que deveria ter feito: continuar insistindo em apostar em um jogo que há anos frustrava suas expectativas semanais. James pode ter pensado naquele fatídico Dia de São Valentim: "Se eu já apostei quatro ou cinco anos ininterruptos, o que dá umas 190 ou 240 apostas, e nunca ganhei, não será hoje que os números vão sair". Pobre James: a sorte não lhe sorriu e parece que as mulheres de sua vida também não lhe sorrirão nunca mais.

Lembrei da história ao ler a crônica de Luis Fernando Ve­­ris­­simo publicada na última quinta-feira, neste mesmo espaço do jornal. Ele contava que já sabe o que vai fazer com o dinheiro quan­­do ganhar na Mega-Sena. Só que ele não joga. Planejar o que vai fazer é um tipo de passatempo para ele. Também é para muitas outras pessoas, inclusive para mim, mas não tenho dado asas à imaginação. Meus planos se repetem e não são lá muito mirabolantes. Talvez porque, no ranking dos apostadores tolos, estou um degrau acima do Verissimo. Ele sonha com o prêmio e não joga. Eu sonho com o prêmio e, nas três vezes por ano em que jogo, esqueço de conferir o resultado. Pior, perco o comprovante da aposta. O Verissimo pelo menos não desperdiça seus caraminguás.

No meu passatempo mental em que me divirto planejando como vou gastar o prêmio que não ganharei na Mega-Sena, sou obrigada a revisar os problemas que tenho na vida. Vejo que a fortuna não teria que comprar muita coisa: o que eu mais quero é tempo. Tempo para fazer tudo que é bom e tempo para não fazer nada.

Dinheiro, seja muito ou ne­­nhum, traz infelicidade. Está aí o James que não me deixa mentir. Se traz felicidade, é outra história.

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