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 | Felipe Lima/ Gazeta do Povo
| Foto: Felipe Lima/ Gazeta do Povo

Um problema deste mundo, vasto mundo é que tem muito lugar interessante para se viver. Um "bom problema", como se diz por aí. O fato é que, excluindo os grotões miseráveis, cada cidade tem suas vantagens. Quem viaja se pergunta: como seria morar aqui? O camarada vai a São Paulo e pensa que lá teria mais oportunidades de trabalho. Vai ao Rio e se maravilha com a possibilidade das caminhadas na beira-mar e com a paisagem estonteante para onde quer que olhe, vai a Peabiru ou São João del Rei e se pergunta se não teria melhor saúde se vivesse em uma pacata cidade do interior.

O que nos atrai ou prende a uma cidade são as perspectivas que ela inspira. Somos atraídos por uma tradução muito subjetiva e pessoal do que ela é. Como as cidades são vivas, organismos sofisticados que respondem a cada novidade, não captamos sua verdade ao visitá-las. A primeira, a segunda impressão são ilusões, mas nós não sabemos disso. Ah, a ignorância pode ser tão inspiradora...

A cidade nos inspira uma fantasia: a Nova York que nunca dorme de Frank Sinatra, a Paris que desperta com croissants quentes e cafés, de Charles Aznavour. Um aspecto qualquer impressiona o observador e ele constrói sua fantasia a partir dali. O sujeito vai viver em Nova York e fica longe da boemia, mas gosta de saber que, se quiser, pode passar a noite rodando pelas ruas, insone. Ele fica satisfeito com a perspectiva, ainda que não viva a realidade.

É a realidade que nos prende a um lugar. Uma realidade que geralmente tem nome e sobrenome. O sonho é ir morar lá, mas a família nos prende aqui. Ou é a familiaridade com o lugar. A familiaridade transforma um bairro em algo tão importante para nós quanto seria um membro da família. Ela nos faz até sentir saudades das ruas que, lá no fundo, achamos insossas, mas que conhecemos tão bem.

Em um livro lançado no Brasil no ano passado, o antropólogo francês Michel Agier diz que o lugar mais próximo de nós é aquele com o qual nos identificamos por oferecer uma sobreposição entre o espaço físico e a sensação de pertencer a uma comunidade. É isso! Queremos pertencer a uma comunidade, mesmo que isso signifique apenas conhecer algumas ruas, saber o nome de um vizinho ou dois, frequentar a padaria. Quanto mais itens acrescentarmos a esta lista, mais "pertencemos". Quanto mais "pertencemos", mais difícil fica ir embora.

Mas, calma lá, não estamos falando de uma paisagem congelada, onde nada muda. O mesmo antropólogo nota que o espaço doméstico, aquele conjunto de quadras que são um prolongamento do nosso lar, não está paralisado no tempo. Ao contrário, a vida familiar está sempre mudando. Casais se separam e um deles (ou ambos) muda de domicílio, filhos crescem e se vão, pessoas morrem, um idoso vem viver com o filho, a chegada de um bebê exige uma mudança de casa. As pessoas vão e vem e, com isso, ajustes são feitos no ambiente físico. Mesmo assim, os que ficam preservam a sensação de familiaridade. Pelo menos por algum tempo. Se o lugar mudar muito, o camarada pode não se identificar mais com ele. Aí, sem as amarras da familiaridade, fica solto no mundo e está livre para se instalar em outro endereço. Ai, que medo! Mas como é bom.

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