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Em uma semana chatíssima, marcada por uma experiência das mais maçantes – localizar um automóvel que se encaixe no meu orçamento –, preciso rir um pouco para recuperar as energias. Quem acompanha esta coluna sabe que perdi meu carro ao passar pela Rua Saldanha Marítima durante a chuvarada de 19 de novembro. Por conta disso, passei a me interessar profundamente por tudo que diz respeito a enchentes.

Li o que achei na internet sobre o alagamento da região da Cumbria, na Inglaterra, que sofreu com uma chuvarada de "proporções bíblicas" (estou repetindo as belas palavras do representante cumbriano na Câmara dos Comuns). Ima­­gine o cenário de um livro da Jane Austen mergulhado no oceano – parece que lá foi pior que aqui. Esta semana, folheei os jornais em busca de fotos e mais fotos dos paulistanos fugindo das águas sujas dos rios Tietê e Pinheiros. Me solidarizei com aqueles que olhavam perplexos as ruas inundadas, sem saber para onde ir. Tive arrepios ao ver os carros mergulhados na água. Me irritei com comentários de um jornalista de televisão que questionou por que as famílias que perderam pessoas durante um desabamento não saíram a tempo. Será que o meu colega imagina que desgraças desse tipo são precedidas por um mensageiro? (O mensageiro, cavalgando um cavalo preto e usando capa e espada, toca a campainha e avisa: "Você vê esta chuva que está começando? Pois bem, em cinco minutos ela vai derrubar sua casa". De­­pois sai em desabalada carreira para escapar das terras que descem o morro.) O cavaleiro do apo­­calipse não existe. As chuvas são repentinas e a água sobe ve­­lozmente. O fato é que as casas não deveriam estar lá, mas a julgar pelo que se vê nos morros brasileiros, ricos e pobres insistem em aproveitar estes terrenos que proporcionam uma linda vista e muita instabilidade.

Se a experiência recente me fez adicta em notícias sobre chuvas "de proporções bíblicas", a necessidade de trocar de carro não despertou nenhum interesse em automóveis. Sei que o assunto é apaixonante para muitos, mas não para mim. A tarefa de escolher um veículo que cabe no meu orçamento foi isenta de prazer. Em outras palavras: um tédio. Só quero um veículo que não me cause problemas, não gaste muito combustível e polua o menos possível. A roda de liga leve ou o computador de bordo que me avisa quantos quilômetros estou fazendo com um litro de gasolina são luxos que o dinhei­­ro pode comprar. Ou não pode... Simples assim. Sem sofrimento.

Como eu dizia anos atrás, quando comecei a escrever este texto, está semana chatíssima estava exigindo um pouco de humor. Fui salva por um livro que meu chefe me emprestou. Por conta dessas voltas que os livros fazem, o chefe Oscar leu e gostou do cronista português Miguel Esteves Cardoso. Parece que é autor inédito no Brasil. O homem é engraçadíssimo, da­­quele tipo que faz a gente rir em silêncio e sentir vontade de co­­mentar com alguém aquelas ma­­luquices. Entre um relato sobre o quanto ficou irresistível ao vestir uma camisa Lacoste verde e outro em que conta como a mãe tentou matá-lo, o português Mi­­guel fala, com muita naturalidade, do morcego-anão de Per­­nambuco, que vive nos canaviais e secreta cachaça junto com a sa­­liva. Claro que o tal morcego não existe, mas o cronista escreve tão bem que até imaginei o bichinho voando torto e exibindo um sorrisinho sonso na noite quente de Pernambuco.

Pois assim é a vida: vão se os automóveis e as minhas economias e ficam as histórias engraçadas.

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