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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Quando eu era criança, a escola obrigava os estudantes a decorar versinhos. Nas datas cívicas, um de nós era chamado a postar-se em frente às fileiras de alunos e declamar alguns sonetos. Uma vez, fui eu a convocada. Tremi um pouco de vergonha, mas não esqueci nenhuma palavra. Assim como não esquecia nem um estribilho do Hino da Bandeira, que vinha escrito na contracapa dos cadernos e que decorei por diversão.

Recebe o afeto que se encerra Em nosso peito juvenil, Querido símbolo da terra, Da amada terra do Brasil!

Também decorava letras de música popular. Não vou citar nenhuma aqui para não me desmoralizar diante dos leitores. Acho que todas as que eu cantarolava eram ruins demais para serem citadas. Mas ainda me lembro delas.

O ponto é que há anos não decoro nada. Nem letra de música, nem poemas, nem trechos de livro. Por todo lado ouço pessoas se queixando que estão com a memória fraca, o que seria um sinal de estafa. É minha impressão, ou tem mesmo muita gente preocupada com o que lhes parece ser a incapacidade de seus cérebros para lembrar-se de tudo que acham que é importante? Andam sofrendo muito por isso. O sujeito esquece um papel em casa e se sente um fracassado. Como sempre fui distraída e esquecer algo cá ou acolá não me parece nenhum fim de mundo, tudo que eu queria decorar eram uns poemas, que não servem para nada e assim mesmo são maravilhosos.

Consigo lembrar uns versos do Drummond.

Oh! sejamos pornográficos(docemente pornográficos).Por que seremos mais castosque o nosso avô português?

Faço um teste. Tento memorizar este poeminha, escrito por um menino americano de 10 anos, Aidan Amog.

Era uma vez um menino que disse uma mentira

Disse ao Rei que ele ficou bem usando aquela gravata

A gravata tinha rostos, animais e cores fortes e estranhas

A gravata fazia o Rei parecer um bobo da corte. Credo!

Era uma vez um menino que disse uma mentira.

Ele disse para sua liberdade: Goodbye.

Consegui! Esse foi fácil. Vamos para um nível avançado. Abro um livro de Fernando Pessoa. Parece que vai ser trabalho árduo. Primeiro, porque é difícil escolher entre tanta inspiração. Ah, lá vai. Pessoa não me deixou na mão.

Que noite serena!Que lindo luar!Que linda barquinha!Bailando no mar!

Sim, é verdade: as rimas e as exclamações deixaram o trabalho mais fácil. Não importa. Está provado: consigo decorar poemas com a rapidez de uma criancinha de 7 anos. Se eu esquecer a chave, o vencimento da conta e a reunião de trabalho, me perdoo antecipadamente. Decoro poemas. Isso é que conta.

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