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Cruzo com histórias de pessoas que viveram em várias cidades durante a infância e descubro um batalhão de filhos de gerentes de banco, ferroviários ou militares. Os pais eram transferidos, os filhos iam junto. Assimilam a natureza do nômade de formas diferentes, com mais ou menos sofrimento. Alguns optam por sufocá-la porque se sentem melhores fincando raízes em um lugar para não sair mais dali. Outros ficam sempre com essa informação martelando lá no fundo da cabeça – a vida pode ser boa em muitos outros lugares. Informação útil, informação perturbadora.

Como membro do segundo grupo, apresento um sintoma que não sei se é peculiar ou banal. Quando passo por uma cidade, me imagino vivendo ali. Nem que seja por 10 minutos, não escapo dessa linha de pensamento. Sendo assim, morei por 10 minutos no Rio de Ja­­neiro, Porto Alegre, Londrina e Maringá, Araruna e Paraty. Às vezes a fantasia se mistura com uma vontade verdadeira, com uma sensação de que estou perdendo algo. O Rio de Janeiro faz isso comigo. Buenos Aires também. São Paulo, não, porque morei lá, de verdade – não tem mais graça. Em Paris dá para viver por uns 20 minutos só de ver as fotos.

Na fantasia dos 10 minutos já morei no centro de Campo Largo e perto do estádio do Chelsea, em Londres. Aliás, se eu vivesse lá, esse seria meu time do coração. Morei em Praga, em um edifício antigo. Mas não me imaginei morando em Mohacz, cidade húngara às margens do Danúbio onde ninguém falava algum idioma que eu entendesse e o hotel me provocava calafrios (na recepção, um homem sempre via novelas brasileiras na tevê sem prestar atenção em quem entrava e saia, enquanto uma velhinha de aparência frágil fazia o contrário: parada no meio da escada, seguia todos nós com olhos vidrados). Deixa Mohacz pra lá. Não é por ser longe, que distância não tem importância no mapa mental que os nômades desenham para suas fantasias. É que Mohacz não inspirou nenhuma fantasia.

São visões de mundo bem diferentes, a da pessoa que mu­­dou pouco e a da que mudou muito. Quem tem vínculos muito fortes com uma cidade provavelmente se sente mais confortável estando onde sempre esteve. Em compensação, quando tem a perspectiva de qualquer viagem, pode se sentir inseguro antes de ir e, depois, feliz por voltar.

Aquele que tem a cabeça ai­­rada pela possibilidade de muitos lugares sente-se sempre um pouco turista, desterrado. Ir e vir são partes de uma aventura fundamental sem a qual ele não seria ele. Se não viaja de fato, precisa viajar através de livros e filmes – mas a substituição não é completa. Não tem a segurança que a certeza de estar no lugar certo dá aos outros. Mas tampouco tem medo de sair: o mundo lhe parece maior e acolhedor. A vida, uma aventura. O único perigo é não viver a aventura. Enredar-se nas questões práticas do dia a dia (sempre elas) e ver o tempo passar. E o viajante sabe bem que o tempo passa sempre, em Campo Largo ou em Paris.

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