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Senhor, eu queria agradecer pelos leitores que descobrem nosso e-mail e nos escrevem para dizer que gostaram deste ou daquele texto, que alegramos a sua tarde, que estavam entediados com o mundo e daí uma crônica nossa, justo aquela que achamos a mais fraquinha, serviu para lembrá-los de algo, para que acreditassem um pouco na vida, distraindo-se de alguma preocupação.

Senhor, precisamos de leitores assim, leitores que nos transmitam o seu entusiasmo porque as lutas da política literária, os interesses econômicos, todas aquelas coisas que o Senhor bem conhece, praticadas ainda pelos mesmos carinhas expulsos do templo, tudo isso nos desanima, Senhor.

Concordo que quem crê não pode se entregar, que o nosso reino não é deste tempo, mas o espírito é tão fraco quanto a carne, e então nos vemos sem energia para tentar mais uma crônica, o próximo romance, o ensaio encomendado, que não terão um espaço condizente com a sua eventual qualidade. É, Senhor, não somos mesmo humildes, temos a presunção da arte. Mas isto merece perdão. Num momento em que quase ninguém enxerga nosso esforço, somos obrigados a nos valorizar mais do que talvez mereçamos, para continuar escrevendo, trocando a vida por horas e horas diante do computador, debruçados sobre cadernos, pesquisando em livros terríveis, na tentativa de escrever uma página digna de leitura.

Pois bem, confesso este pecado. Creio em mim. Vivo principalmente daquilo que tiro de minha cabeça suja, então tenho que sacar dali a energia para as esgotantes tarefas literárias.

O Senhor se lembra do tempo em que eu era criança? As casas não tinham água encanada. Nós a tirávamos do poço, puxando o balde numa imensa carretilha – desculpe, Senhor, eu, que falo tanto em memória, esqueci o nome destes instrumentos. Mas não importa. Quando tirávamos muita água, o poço ficava seco, ouvíamos o balde batendo no fundo. Tínhamos que esperar até que ele enchesse de novo. Escrever é como tirar água do poço. Ele seca logo, e ficamos com o corpo doído de mover a manivela de madeira.

Tem dias, Senhor, que estou tão exausto que penso que vou desmaiar. A coluna fica mais vergada do que um tobogã. Os braços doem. Sinto náuseas, dores de cabeça – é, Senhor, tudo para escrever um texto, para concluir algo começado antes, corrigir os erros mais gritantes de algum original. E o que pedimos... Não, por favor, Senhor, não queremos reivindicar privilégios, longe de nós, nem imaginamos que uma universidade nos Estados Unidos pudesse nos convidar para uma série de palestras, nem que aquela revista fosse fazer uma avaliação literária de nosso livro, tudo isso é vaidade.

Peço apenas, Senhor, se não for futilidade minha, que eu continue tendo estes leitores espontâneos. Estes que nem sabemos onde moram – oriundos da internet – e que mandam uma mensagem ao jornal onde escrevemos ou uma carta – pois é, ainda há quem as escreva – comentando um de nossos romances, fazendo sugestão para o próximo, confessando algo pessoal. Tenho aprendido a tirar disso, Senhor, todo o meu sustento. Não o sustento propriamente dito, pois como o Senhor está informado, ganho a vida alugando-me a outras preocupações. O sustento de que falo é o literário, aquela alegria de que precisamos.

Sabe, Senhor, fico imaginando que deveríamos ter de novo alguns santos. Não sei por que caçaram a licença dos antigos. Talvez por não terem diploma. Senhor, permita que eles voltem, mesmo sem diplomas, sem carteira assinada, essas coisas todas. Estamos precisando de santos principalmente numa época em que muitos dos diabos (perdão, Senhor, perdão!) são diplomados. Se o Senhor resolver liberar os santos, gostaria de sugerir uma nova categoria. Os santos leitores. Uma pequena legião deles, que protegeria os livros, não deixando que maldades acontecessem com obras que não podem pagar pelos erros dos autores. Aposto que a literatura mundial melhoraria.

Senhor, é necessário que haja alguém que acredite de verdade e com muita força na produção do escritor, alguém que não use as adversativas – sei, Senhor, que eu as uso em demasia – na hora de se referir a uma obra. Estimulados por estes santos, fiaríamos mais no poder de um texto. E os livros bons seriam em número maior. E as pessoas aumentariam seu interesse pela leitura.

Sei que meu pedido é extravagante. O Senhor tirou todos os anjos da face da terra por algum motivo muito forte. Então, peço ao menos que mantenha estes leitores desinteressados – que não esperam nada nem dos autores nem das obras, que mandam cartas e e-mails só para dizer que ainda há gente ali, do outro lado.

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