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Pedalando pela ciclovia entre o Centro Cívico e o Parque São Lourenço no fim da tarde de um dia de semana, dou de cara com um jardineiro em sua bicicleta. Uma arqueológica Monark “Barra Circular” sem marchas, luzes ou buzina, pelada de tudo, inclusive de uma cor identificável em qualquer paleta mais ortodoxa. Talvez um dia tivesse sido azul, verde-garrafa, preta ou laranja; no momento, trazia apenas aquela cor terrosa de ferrugem e tentativas incompletas de restauro.

A bicicleta do jardineiro está lotada de ferramentas. Uma configuração incrível, digna das antigas amarrações navais de carga e lastro

Eu venho daqui, verdadeira navalha voadora de meia idade em seu sistema japonês de marchas internas indestrutíveis, e ele de lá, lento e heroico, adernando como uma criança aprendendo a andar. Pudera: sua bicicleta está lotada de ferramentas de jardinagem, a começar pela pesada roçadeira a gasolina e pelo feixe de ancinhos amarrados à seção horizontal do quadro. E tesourões, luvas de trabalho, galochas e uma sacola de feira. Uma configuração incrível, digna, romantizo, das antigas amarrações navais de carga e lastro. A bicicleta como um velho navio prenhe de mercadorias.

Seu condutor, aliás, é figura igualmente notável. Seco como o quadro da bicicleta, queimado e requeimado de sol, não aparenta idade alguma, a não ser a que se inscreve no espectro do imemorial. Não tem origem nem raça; tem, de fato, todas as origens e todas as raças. Poderia estar aqui, na Rússia, no Acre, na Etiópia ou na Suméria. Verdadeiro arquétipo que pedala resignado, e que, na cadência de cada ciclo, faz brilhar a brasa do cigarro que traz no canto da boca.

Em questão de segundos, o jardineiro está a uma quadra de distância, navegando na direção do Passeio Público. Se continuar por esse caminho, vai desaguar na Mariano Torres e, de lá, poderá acessar as ciclovias do Jardim Botânico e da Avenida das Torres. Talvez suba pela Sete de Setembro, entre pela João Negrão, repouse no Rebouças ou vá parar apenas em São José dos Pinhais, no Umbará, no Ganchinho ou em Fazenda Rio Grande.

Em seu ritmo de jornada de oito ou dez quilômetros por hora, a menos que more no Centro, deverá estar em casa em, sabe-se lá, uma, duas ou seis horas. Só não há de demorar mais do que eu pensando em seu trajeto e no desafio de fazer jardins e cruzar Curitiba (todos os dias, meu pai!) com uma bicicleta carregada de ferramentas.

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