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Imagino que, com a quantidade incrível de jogos eletrônicos disponíveis em computadores e celulares, certo tipo de romantismo acabou transformado em mercadoria. Os sonhos adolescentes masculinos de aventura e batalha continuam os mesmos, mas hoje nos chegam pelas mãos de empresas de jogos e filmes que faturam milhões vendendo horrores em aplicativos, canecas e bonequinhos fabricados na China.

Nada contra. A não ser, talvez, a constatação da perda de certas capacidades artesanais e imaginativas, que, de resto, ficam necessariamente mais restritas em apartamentos e casas cada vez menores. A favor da nova ordem está o aumento da segurança física; quanto à segurança mental, não sei dizer.

Na medida em que a faca não grudava na parede, aliás, a tendência era lançar mais forte

Pessoalmente, tive a alegria de passar boa parte da infância e da adolescência perto de ferramentas, pregos enferrujados e ripas que me permitiam “forjar” espadas toscas que funcionavam barbaramente contra outras espadas e também contra moitas, cupinzeiros e bananeiras. Nos momentos de maior frenesi, aliás, funcionavam até contra “civis” desarmados que se arriscavam pelo terreiro.

Toda oficina possuía uma faca velha, daquelas usadas para fins tão gerais quanto apertar um parafuso no sumiço da chave de fenda e limpar o barro seco da sola da bota. Pois foi exatamente essa que eu arremessei centenas de vezes contra a parede de madeira da oficina, tentando fincá-la como nas histórias de Robert Louis Stevenson. Com um grau de sucesso ridiculamente baixo, uma a cada cinquenta, fruto da absoluta ausência de técnica.

Na medida em que a faca não grudava na parede, aliás, a tendência era lançar mais forte e, em seguida, de qualquer jeito, tentando prendê-la nem que fosse pelo cabo. Um santo esbanjamento de tempo, que, visto de longe – por minha avó que cuidava do almoço, por exemplo –, deveria parecer engraçado. É bem possível, aliás, que ela, imigrante com um pé no século 19, soubesse arremessar facas e só não transmitisse o segredo para evitar problemas com a vizinhança. Isso, porém, é só uma suposição romântica.

Hoje, arremesso facas e granadas sem sair do sofá, o que é bem confortável desde que se domine a técnica de segurar a pizza, o Nescau e o controle ao mesmo tempo. Os jogos, aliás, são formidáveis. Mas não traduzem bem – e aqui, fala o arremessador frustrado de facas de oficina – o espírito daquele outro tempo.

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