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Quando criança, era daqueles que abriam o dicionário para chegar à essência dos palavrões. Uma vez na página certa, não só vibrava com a extensão acadêmica de seu significado bárbaro, como acabava fisgado por uma fieira de outras palavras. E, dessa forma, ia adquirindo um vocabulário capaz de municiar o arsenal verbal com termos como “coriáceo”, “bujarrona” e “metempsicose”, o que era genial, mas, no final das contas, não contribuía muito para o diálogo com a tigrada. Hoje, desencanado da semântica dos xingamentos – que, de resto, perderam a força porque são disparados a esmo por praguejadores de todas as idades –, sigo assediado por dúvidas etimológicas.

Imagino que a transformação semântica de pano para manga se deu por conta da vaidade da velha elite do Lácio

A mais recente tem a ver com a terminação “plicar”, que aparece em verbos como explicar, implicar, duplicar e complicar. As tais “plicas” surgem em muitos contextos que, ao menos para o operador rústico da língua, não se conectam facilmente. Implicar, para chutar um único exemplo, poderia ser o contrário de explicar, mas não é. No caso de duplicar e multiplicar, a coisa tem a ver com um aumento numérico (até aí, beleza): mas do quê?

Vou encontrar a resposta entre os romanos: plicas, veja só, eram as dobras ou pregas das togas. Assim, duplicar seria, em princípio, somar uma dobra ou prega a mais ao colo do próprio “lençol de vestir”; complicar seria estar envolvido por uma toga cheia de dobras, explicar seria colocar uma dobra para fora (confesso: esta interpretação é minha) e implicar seria colocar algo dentro da dobra, um punhal, por exemplo. E plissar/plicar, verbo que sobrevive no falar das costureiras, nada mais é do que a forma heroica e resistente da velha ideia: preguear mesmo, tecido, agulha e linha, sem maiores complicações.

Imagino que a transformação semântica de pano para manga se deu por conta da vaidade da velha elite do Lácio. Dá até para imagina o pater familias se levantando pela manhã, tomando um banho caprichado com água mineral e pétalas de rosas, empoando o rosto, pegando a toga e a vestindo com todo cuidado do mundo, construindo cada dobra de tecido do ombro à cintura com esmero. Enquanto isso, ia tendo ideias de poder até chegar a um sonho imperial que poderia começar a nascer tão logo ele deitasse as sandálias pelo mundo.

Um belo dia, contudo, os bárbaros chegaram e condenaram as togas às estátuas dos filósofos e aos bailes carnavalescos. Ficaram os sonhos de poder e as plicas - para espanto e alegria do cronista de terça-feira.

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