
Romarias e procissões em nome da fé. Celeiro de figuras místicas, o Nordeste brasileiro perpetua historicamente a religiosidade em milhares de devotos. Santos consagrados popularmente à revelia do Vaticano movem montanhas de pessoas que buscam consagrações divinas.
SLIDESHOW: Confira fotos da Romaria de Finados do Padim Cícero Romão Batista
No início deste mês, Juazeiro do Norte, a terceira maior cidade do Ceará, presenciou a Romaria de Finados do Padim Cícero Romão Batista. Considerada a terceira maior peregrinação religiosa do país, reuniu cerca de 500 mil fieis neste ano.
Escritor e jornalista, Daniel Walker se dedica há mais de 40 anos a pesquisar e a difundir a história do Padre Cícero.
Para ele, o Nordeste sempre foi um celeiro de figuras místicas como o próprio Padre Cícero, Padre Ibiapina, Frei Damião, Antônio Conselheiro, Beato José Lourenço, dentre outros.
Essas personalidades impulsionaram ao longo da história um culto à religiosidade que transcende classes sociais. "Ao longo de sua existência eles conseguiram impregnar através dos seus ensinamentos e pregações um grande sentimento de fé entre os seus milhares de devotos que perdura até hoje", explica.
Até mesmo o rei do Cangaço, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, contribuiu para que a fé e o culto a essas personalidades se disseminassem no Nordeste brasileiro. O pesquisador afirma que Lampião era muito apegado à religião católica. "Rezava costumeiramente, tinha várias orações de sua predileção e sempre se manifestou publicamente como fervoroso devoto do Padre Cícero, que conheceu pessoalmente quando esteve em Juazeiro e dele recebeu a bênção. Sua religiosidade contaminou também seu bando", destaca o pesquisador.
Símbolo de uma memória coletiva, a romaria em homenagem à Padre Cícero possui, também, uma particularidade.
"Muitos dos devotos têm uma memória individual, particularíssima, pois eles conviveram com o padre, são seus afilhados e cada um tem um jeito próprio de expressar a sua devoção", conta.
Juazeiro do Norte chega a receber 2,5 milhões de pessoas por ano. A maioria dos devotos são oriundos de Pernambuco e Sergipe.
Muitos ainda chegam nos famosos pau-de-arara, que é considerado o legítimo meio de transporte do romeiro, uma vez que o sofrimento causado pelas longas viagens é considerado parte do cumprimento das promessas.
Nos últimos anos, com a proibição desses veículos e o aumento da fiscalização nas estradas durante as romarias o uso de pau-de-arara tem diminuído.
Devoção
As promessas em nome do Padim são pagas debaixo de 40 °C
O cumprimento das promessas e as peregrinações dos romeiros começam geralmente antes de o sol raiar. Esta época do ano é considerada a mais quente. A temperatura máxima beira os 40 ºC com umidade relativa entre 20% a 30%, o que torna ainda mais difícil o cumprimento das promessas, pagas em sua grande maioria por pessoas mais idosas.
Lugares
Os locais considerados sagrados pelos devotos ficam nas igrejas no centro de Juazeiro do Norte e no Horto, monte próximo à cidade onde eram realizadas as missas e retiros pelo Padre Cicero. Hoje a região abriga a estátua de 28 metros do Padim . Nas imediações da estátua fica o Santo Sepulcro, um dos locais mais relevantes da crendice popular na romaria, que só pode ser alcançado por trilha.
Neste local, católicos, indígenas e penitentes realizam suas preces e rituais de agradecimentos, purificação e devoção.
Diferente
O estudioso no tema Daniel Walker conta que os romeiros procuram Padre Cícero espontaneamente e dificilmente o largam porque acreditam nele mais do que em qualquer político ou mesmo santo oficial da Igreja. "Existe uma forma especial de se gostar do Padre Cícero, e isso só quem consegue expressar fielmente são os seus devotos. E Juazeiro do Norte é o lugar onde isso se expressa de forma mais espontânea e mais contundente", ressalta.













