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Sessão plenária do STF
Sessão plenária do STF| Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

A iminente possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal tem preocupado profissionais e entidades que tratam dependentes químicos. Para o segmento, uma decisão que retire qualquer sanção ao usuário poderá acentuar a proliferação do uso da cannabis, especialmente entre jovens, população de rua e prisional, afetando também a família e a comunidade em torno dessa população.

A retomada do julgamento está marcada para a tarde desta quinta-feira (17), no plenário do STF. Até o momento, quatro dos 11 ministros já votaram pela descriminalização: Gilmar Mendes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. A análise começou em 2015, com os votos dos três primeiros, e foi retomada no último dia 2. Relator da ação, Mendes prometeu ajustar seu voto para levar em conta proposta de Moraes de fixar uma quantidade limite para diferenciar usuários de traficantes: na faixa de de 25 a 60 gramas.

Qualquer que seja o volume, representantes de comunidades terapêuticas são contrários à descriminalização. Essas entidades, em boa parte ligadas a igrejas cristãs ou a clínicas de recuperação, têm experiência de décadas no trabalho de reabilitação de usuários, e preveem que, a partir do momento em que a sociedade incorporar a ideia de que não haveria qualquer consequência legal para o porte, haveria um incentivo estatal para o consumo desenfreado.

Em junho, um grupo de 11 entidades do setor enviou ao STF uma série de estudos recentes, ligados a centros de pesquisa de várias partes do mundo, mostrando efeitos adversos de políticas de descriminalização adotadas em outros países. O Relatório Mundial sobre Drogas de 2022 do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) é o mais alarmante.

“As consequências do uso de drogas podem ter efeitos cascata que fere famílias, potencialmente através de gerações, bem como amigos e colegas. O uso de drogas pode colocar em risco saúde e saúde mental e é especialmente prejudicial na adolescência precoce. Os mercados de drogas ilícitas estão ligados à violência e outras formas de crime. As drogas podem alimentar e prolongar o conflito, e os efeitos desestabilizadores também, pois os custos sociais e econômicos impedem o desenvolvimento”, diz o documento.

Outro alerta veio do Conselho Internacional de Controle de Entorpecentes em relatório publicado em março. A entidade considera a cannabis “altamente viciante e suscetível de abuso” e expressa preocupação com a tendência de governos adotarem políticas que aumentem o consumo, com “efeitos negativos para a saúde e transtornos psicóticos”.

“O efeito mais preocupante da legalização da cannabis é a probabilidade de aumento do uso, principalmente entre os jovens, de acordo com dados estimados. Nos Estados Unidos, foi demonstrado que adolescentes e jovens adultos consomem significativamente mais maconha em estados federais onde a maconha foi legalizada em comparação com outros estados onde o uso recreativo permanece ilegal. Também há evidências de que a disponibilidade geral de produtos de cannabis legalizados diminui a percepção de risco e das consequências negativas envolvidas em seu uso”, diz o órgão no documento.

A manifestação das comunidades terapêuticas avalia que no Uruguai, onde a legalização do uso vigora desde 2013, o tráfico não diminuiu e os homicídios aumentaram, em razão da disputa por territórios das gangues. Na Suécia e na Holanda, o crescimento do narcotráfico, ainda criminalizado, também fez aumentar a violência, o encarceramento, acidentes de trânsito, casos de transtornos mentais, hospitalizações psiquiátricas e intoxicações não intencionais de crianças pelo uso inadvertido da droga.

“No Brasil, em média, mais da metade dos crimes contra o patrimônio são cometidos por usuários de drogas para manter o vício e mais da metade dos homicídios, principalmente de adolescentes e jovens, tem relação direta com a disputa de espaço por tráfico de drogas”, diz a manifestação enviada ao STF.

Na saúde individual, foi citado estudo canadense publicado em 2019 no Journal of the American Medical Association (Jama) com 23 mil adolescentes. “Os resultados mostraram que os usuários da maconha (em comparação com adolescentes não usuários) tiveram um risco 37% maior de desenvolver depressão na idade adulta, 50% mais chances de pensamentos suicidas também na idade adulta, além de um risco triplicado de tentativa de suicídio na vida adulta”, registra ainda a manifestação.

Assinam o documento dirigentes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Confederação Nacional de Comunidades Terapêuticas (Confenact), Fórum Evangélico Nacional de Ação Social e Política (Fenasp), Obra Social Nossa Senhora Glória – Fazenda da Esperança, Federação de Amor-Exigente (Feae), Conselho Nacional dos Conselhos de Pastores do Brasil (Concepab), Federação Nacional de Comunidades Terapêuticas Espiritualidade e Ciência (Fenact), Cruz Azul no Brasil, Federação das Comunidades Terapêuticas Evangélicas do Brasil (Feteb), Federação do Desafio Jovem no Brasil e Federação Paranaense de Comunidades Terapêuticas Associadas (Compacta).

As entidades entendem que ainda é necessário manter a criminalização, sobretudo porque o usuário não está sujeito a pena de prisão, mas a medidas como advertência sobre os efeitos das drogas, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa educativo. Elas defendem que a Justiça seja capaz de diferenciar usuário de traficante, para que o primeiro não vá preso e piore o vício na cadeia e se envolva com a criminalidade mais pesada.

O Orçamento da União deste ano reservou R$ 211 milhões em recursos públicos para apoiar as mais de 14 mil comunidades terapêuticas, com vagas para 17 mil dependentes. O problema, para elas, é que uma decisão pela descriminalização faça explodir o número de usuários que venham a necessitar de apoio para deixar a dependência química.

“Se de um lado se vê que houve avanços significativos na oferta de serviços públicos gratuitos para dependentes químicos, vê-se também que ainda há muito o que fazer no âmbito da oferta desses serviços pelo poder público”, diz o documento.

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