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Vídeo | Reprodução/ParanáTV
Vídeo| Foto: Reprodução/ParanáTV

Capela assistiu à ascensão do mate

Em meados do século 19, o Alto da Glória não era um dos metros quadrados mais caros da cidade, mas uma área de alagamentos do Rio Belém, usada como atalho para chegar ao Caminho do Itupava – rota de entreposto comercial com o litoral. Embora tida como imprópria para moradia, a região abrigou fazendas não só dos Leão, mas dos Fontana e dos Veiga. Na virada do século 20 a imagem lamacenta ficou no passado e deu lugar ao fausto da Belle Époque, um estilo que superou o arquitetônico para se tornar um estilo de vida.

Foi nessa ocasião que a Capelinha da Glória ganhou seu posto no então Boulevard 2 de Julho, hoje Avenida João Gualberto, uma versão local das alamedas francesas. Construtores italianos, como Antônio Dallegrave, deram seu toque a casarões como o Solar dos Leões. "O desembargador Ermelino de Leão (um dos patriarcas) chegou a ser cogitado como Barão da Glória, mas declinou. A família dele teve um papel fundamental na ocupação e integração de Curitiba", ilustra a pesquisadora Cassiana Lícia de Lacerda, estudiosa das mudanças urbanas que marcaram Curitiba no período.

Parte do fascínio que a Capelinha exerce vem do fato de ter assistido a ascensão e queda da economia ervateira. "Quando a capela ficou pronta, Curitiba tinha 35 mil habitantes e três igrejas. E uma delas estava fechada para reforma", diz monsenhor Vicente Vítola, para ressaltar o impacto causado pelo templo. Não por menos: naquele tempo, era Deus no céu e os ervateiros no Alto da Glória. (JCF)

Diz a tradição que a Virgem Maria, ao morrer, foi elevada ao céu. É um dogma recente, proclamado por Pio XII, nos idos de 1950. A verdade da fé católica – independentemente de credo – é uma das mais belas do imaginário cristão e ganhou impulso nos primórdios da Igreja, quando era chamada de "dormição". Apesar da idéia cativante da mãe que vai para junto do filho, o culto a Nossa Senhora da Assunção não virou uma devoção do tipo "arrasa catedral". Sob o título de Nossa Senhora da Glória (uma variante de Assunção), ganhou força em grupos familiares e étnicos, o que justifica a quantidade de logradouros no Brasil dedicados à Virgem da Glória.

Curitiba é o caso. Um dos bairros da cidade – o Alto da Glória – ganhou esse nome por conta da predileção da família Leão, uma das protagonistas do ciclo da erva-mate, por Nossa Senhora. Uma das matriarcas do clã, Maria das Dores Leão, ergueu uma capela, em 1896. O templo, hoje plantado em meio a remanescentes do casario art nouveau e torres modernosas da Avenida João Gualberto, está em vias de passar para a Arquidiocese de Curitiba e, por tabela, para o Santuário do Perpétuo Socorro.

O primeiro passo é restaurar o prédio – um misto de estilos que passa pelo neogótico, pelo neoclássico e tem até lambrequins estilizados na fachada. O segundo é mantê-lo aberto a maior parte do dia, sepultando os 111 anos em que foi uma capela particular. Pelo que tudo indica, a medida vai ser a assunção e a glória desse que é um dos patrimônios sacros mais antigos e menos conhecidos do Paraná.

Latim

Não é de hoje que fiéis, estudiosos e expedicionários urbanos flertam com a capelinha. Em torno dela está a melhor herança do ciclo em que o Paraná se esbaldou na riqueza – o do mate. "A rua é incrível. Tem uma coleção de estilos que chega à década de 50. A capela faz parte desse conjunto", elogia o historiador Marcelo Sutil. Há dois anos o lugar abriga missas em latim, promovidas por estudiosos da língua. Há também quem tenha preferido sua tranqüilidade a enfrentar os 30 mil fiéis que passam pela Perpétuo Socorro em dias de novena. A propósito, a capelinha já abriga mais casamentos do que a matriz, chegando a 15 por mês.

O compasso é de espera. O atual reitor do santuário, o padre Dirson Gonçalves, 34 anos, aguarda que o pedido de usucapião movido pela Arquidiocese de Curitiba em 2004 seja julgado. Enquanto isso, a Capela permanece uma propriedade particular. Tão logo mude sua condição jurídica, um arsenal será acionado para salvá-la de infiltrações, goteiras e outras rasteiras do tempo. Um grupo de arquitetos já virou a igrejinha do avesso. Nem um castiçal escapou ao levantamento que descreve a construção de 180 metros quadrados.

A fachada, originalmente amarelo-banana, ganhou um marrom monástico que lhe rouba a graça. Graça é a melhor maneira de se referir aos dois anjos que adornam a cruz do teto e à pintura naïf de Nossa Senhora da Luz, no frontão. Um restauro desastrado no final da década de 90 pôs quase tudo a perder. Há pelo menos quatro camadas de tinta cobrindo os adornos das paredes internas. As pinturas da abóbada sumiram e as do altar e do teto estão contornadas de forma grosseira.

Verba

Padre Dirson não faz idéia de quanto vai precisar para devolver parte do aspecto original. Espera levantar a verba via leis de incentivo à cultura. O mais curioso é que o prédio pertence à primeira leva das chamadas unidade de interesse de preservação (UIPs) da prefeitura de Curitiba, sendo assim declarada em 1977-1978. Pela regra, não poderia sofrer interferência sem o aval de técnicos. Não foi o que aconteceu. A responsabilidade pelo estrago é feito um segredo de confissão. A capela tem inúmeros herdeiros e é sabido que muitos não lhe faltaram com a atenção, bem como a Cúria. Mas a indefinição de a quem se dirigir na hora de reformas fez com que o patrimônio ficasse no pior dos mundos – entre o público e o privado.

O novo capítulo começou no início dos 2000, quando o templo ficou sob responsabilidade do monsenhor Vicente Vítola. A chegada de Dirson, em 2005, impulsionou de vez a Capela. Agora, ele também investe nos fiéis que mesclam interesse cultural, memória e gosto por espaços alternativos. Por ironia, foi ali que, em 1960, 60 pessoas começaram as novenas ao Perpétuo Socorro. Logo a multidão lotou os 700 metros quadrados do terreno e invadiu a Avenida João Gualberto, a ponto de em 1969 ser inaugurada a atual igreja da Praça Portugal. A capela que ficou à míngua, quem diria, volta com a glória de ser pequenina.

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