
O avanço do crack no Brasil está esgotando a capacidade de atendimento das redes municipais de saúde. À medida que a droga se aproxima da universalização (atualmente está presente em 91% dos municípios), expõe a insuficiência de recursos para o atendimento aos usuários. Aproximadamente 63% das cidades brasileiras avaliam ter problemas como falta de leitos para internação, carência de remédios e falta de profissionais especializados em dependência química.A relação é reforçada na pesquisa A Presença do Crack nos Municípios Brasileiros, realizada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Ontem foram divulgados novos dados sobre o levantamento, feito a partir de questionário aplicado em 4.430 municípios. Quando perguntados sobre as áreas da administração mais afetadas pelo problema das drogas, a saúde foi o setor mais citado, seguido por segurança, assistência social e educação. "Isso ocorre porque os serviços de saúde são municipalizados, em grande parte. Ao contrário da segurança, que é uma função do governo estadual", relaciona Paulo Ziulkoski, presidente da CNM.
A falta de fôlego para o combate à dependência também se revela na falta de instituições responsáveis de prevenção, auxílio e formação de políticas públicas. Apenas 12,4% dos municípios têm conselhos antidrogas, e a presença de centros de assistência social e psicossocial não ultrapassa 10% dos municípios pesquisados (veja lista completa no gráfico). "Precisamos reunir a sociedade civil e discutir o papel de cada esfera na luta contra as drogas", defende Ziulkoski. "Ao mesmo tempo em que as prefeituras estão fazendo o que é possível, o país precisa controlar melhor as fronteiras e a venda de bicarbonato de sódio e amônia, usados para transformar a pasta de cocaína em crack", completa.
Substituto
O perigo do crack se torna mais imediato pelo fato de esta droga ser comumente usada em substituição à maconha, cocaína ou mesmo álcool um problema cada vez mais identificável em pequenas cidades e áreas rurais. "O crack hoje é a segunda droga mais consumida no Brasil. Por causa do preço, ela está se tornando mais fácil de ser encontrada do que as outras", alerta o especialista em saúde mental Marino de Oliveira, membro da Associação Nacional dos Terapeutas em Dependências Químicas.
Oliveira ressalta que, devido a mudanças legais nos processos de internação para tratamentos mentais, os municípios tiveram a sua capacidade de atuação limitada. "A criação de estruturas de apoio está atrelada ao número de habitantes em cada cidade, de forma que um pequeno município está impedido de abrir um Caps-1 [Centro de Atenção Psicossocial Nível 1]. Em contraste, o crack tem um poder viciante difícil de combater sem internação por um período prolongado", aponta.
Financiamento
Ainda segundo a pesquisa da CNM, o financiamento de ações contra as drogas custa, em média, R$ 2,5 milhões por município. Segundo a instituição, esse valor é desproporcional em relação aos estados e à União. O estudo ressalta que em 2010 foram autorizados R$ 124 milhões do orçamento federal para a gestão da política nacional sobre drogas. Desse montante, R$ 90 milhões foram empenhados e R$ 5,3 milhões efetivamente pagos. Em 2011, foram autorizados R$ 33,6 milhões, com R$ 6,3 milhões empenhados até o momento e dos quais R$ 4,7 milhões pagos.
Consumo da droga agrava segurança em 58% das cidades
Para as administrações municipais, a segurança é o segundo setor mais afetado pela presença de comércio e consumo de drogas. Na pesquisa A Presença do Crack nos Municípios Brasileiros, realizada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 58% das prefeituras pesquisadas relatam ter identificado uma relação direta entre essas duas questões. Os problemas mais comuns são o aumento de furtos, roubos, violência doméstica, assassinatos e vandalismo, além do surgimento de áreas sem policiamento em regiões com grande presença de traficantes.
O terceiro prejuízo mais recorrente ocorre na área de assistência social, problema identificado por 44,6% das prefeituras. Neste campo estão relacionados os problemas de desestruturação familiar causados principalmente pelo crack cujos males são mais imediatos e profundos. O abandono do trabalho e dos estudos, por vezes agravado pela mendicância e prostituição infantil, dificultam a reinserção no meio social.
O processo educacional também é afetado. Para 37,9% dos municípios, o uso de drogas causa baixo rendimento, vandalismo, envolvimento com gangues e, por último, evasão escolar. É nesse momento que os jovens ficam mais vulneráveis a ser recrutados pelo tráfico.
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