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Nove em cada dez cidades brasileiras afirmam que o crack está presente em meio à população |
Nove em cada dez cidades brasileiras afirmam que o crack está presente em meio à população| Foto:

Falta de segurança

Em Castro, entorpecente alimenta a criminalidade

Maria Gizele da Silva, da sucursal de Ponta Grossa

Com 67.084 habitantes (Censo de 2010), Castro, nos Campos Gerais, sofre os efeitos do consumo de crack nos casos de roubos e homicídios. A área central deixou de ser a mais visada e os comerciantes dos bairros têm de apelar para o reforço da segurança privada. A cidade está entre os 42 municípios do Paraná com mais de 500 denúncias relatadas ao serviço Narcodenúncia-181, da Polícia Militar, que concentra as ocorrências relacionadas a drogas.

Dono de um mercado no Jardim Arapongas, Enio Gonçalves instalou alarme, câmera de segurança, grades e cerca elétrica na propriedade. Ele foi assaltado uma única vez, mas teme voltar a ser vítima. "O ideal seria contratar um segurança fixo, mas é muito caro. A segurança pública não faz a parte dela", reclama. A poucas quadras dali, a gerente de uma farmácia Rosane Simão tenta esquecer o trauma de ficar com um revólver encostado no pescoço. "Foi horrível, já tivemos uns cinco assaltos em quatro anos, mas da última vez eles dispararam até tiros dentro da farmácia", relata. Para Gonçalves, é possível que os assaltos na cidade estejam relacionados ao crack. "São pessoas que roubam para se manter no vício", aponta.

Ocorrências

O comandante da PM, capitão Marcelo Moreira Só, acrescenta que dos dez homicídios ocorridos neste ano no município, metade está ligada à dependência do crack. Conforme balanço do serviço 181, entre junho de 2006 e outubro deste ano, foram feitas 703 denúncias em Castro. Houve ainda 253 prisões e foram apreendidas 22.917 pedras de crack no período.

"O crack vicia muito rápido", lembra a psicóloga do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Castro, Lucimar Coneglian. Ela atende a pessoas com transtornos mentais e usuários de álcool. "O nosso Caps é de transtornos mentais. Na última conferência de saúde que tivemos, o Caps-AD, que é para álcool e drogas, foi colocado como uma necessidade", afirma, lembrando que ainda não há previsão de implantação do serviço na cidade.

Ajuda

Dependente químico precisa querer se tratar para largar o vício

Londrina - Juliana Gonçalves, da sucursal

A recuperação do usuário de crack depende de sua própria vontade, o que acaba sendo uma barreira no tratamento, como lembra o presidente do Conselho Municipal de Álcool e Drogas (Comad) de Londrina, José Carlos Camargo. O Comad trabalha com sete entidades conveniadas à prefeitura de Londrina para oferecer tratamento e recuperação a usuários de drogas. A porta de entrada é o Centro de Atenção Psicossocial-Álcool e Drogas (Caps-AD), que oferece três opções de tratamento: ambulatorial, grupos de apoio ou internação. As entidades atendem, em média, 740 usuários nas três modalidades, sem contar os atendimentos feitos no próprio Caps, e segundo Camargo, há fila de espera.

Londrina é responsável ainda pelo atendimento regional. Em Arapongas, distante 40 quilômetros, por exemplo, o tratamento contra o crack e outras drogas, é feito pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), que oferece serviços de proteção social. Em casos de maior dependência, os usuários são encaminhados para Londrina.

Com cerca de 100 mil habitantes, Arapongas ainda não enfrenta problemas maiores relacionados ao crack. Segundo a conselheira do Comad Arapongas, Michele de Oliveira, na maioria dos casos, são pequenos furtos para compra da droga, mas o município já se prepara para a evolução do cenário. "Já estamos fazendo um mapeamento dos usuários para podermos mapear também o atendimento", conta.

  • Castro, nos Campos Gerais, é uma das 42 cidades que mais fizeram denúncias sobre drogas no telefone 181 da polícia

O avanço do crack no Brasil está esgotando a capacidade de atendimento das redes municipais de saúde. À medida que a droga se aproxima da universalização (atualmente está presente em 91% dos municípios), expõe a insuficiência de recursos para o atendimento aos usuários. Aproximadamente 63% das cidades brasileiras avaliam ter problemas como falta de leitos para internação, ca­­rência de remédios e falta de profis­­sionais especializados em dependência química.A relação é reforçada na pesquisa A Presença do Crack nos Municípios Brasileiros, realizada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Ontem foram divulgados novos dados sobre o levantamento, feito a partir de questionário aplicado em 4.430 municípios. Quando perguntados sobre as áreas da administração mais afetadas pelo problema das drogas, a saúde foi o setor mais citado, seguido por segurança, assistência social e educação. "Isso ocorre porque os serviços de saúde são municipalizados, em grande parte. Ao contrário da segurança, que é uma função do governo estadual", relaciona Paulo Ziulkoski, presidente da CNM.

A falta de fôlego para o combate à dependência também se revela na falta de instituições responsáveis de prevenção, auxílio e formação de políticas públicas. Apenas 12,4% dos municípios têm conselhos antidrogas, e a presença de centros de assistência social e psicossocial não ultrapassa 10% dos municípios pesquisados (veja lista completa no gráfico). "Precisamos reunir a sociedade civil e discutir o papel de cada esfera na luta contra as drogas", defende Ziulkoski. "Ao mesmo tempo em que as prefeituras estão fazendo o que é possível, o país precisa controlar melhor as fronteiras e a venda de bicarbonato de sódio e amônia, usados para transformar a pasta de cocaína em crack", completa.

Substituto

O perigo do crack se torna mais imediato pelo fato de esta droga ser comumente usada em substituição à maconha, cocaína ou mesmo álcool – um problema cada vez mais identificável em pequenas cidades e áreas rurais. "O crack hoje é a segunda droga mais consumida no Brasil. Por causa do preço, ela está se tornando mais fácil de ser encontrada do que as outras", alerta o especialista em saúde mental Marino de Oliveira, membro da Asso­ciação Nacional dos Tera­­peutas em Dependências Químicas.

Oliveira ressalta que, devido a mudanças legais nos processos de internação para tratamentos mentais, os municípios tiveram a sua capacidade de atuação limitada. "A criação de estruturas de apoio está atrelada ao número de habitantes em cada cidade, de forma que um pequeno município está impedido de abrir um Caps-1 [Centro de Atenção Psicossocial – Nível 1]. Em contraste, o crack tem um poder viciante difícil de combater sem internação por um período prolongado", aponta.

Financiamento

Ainda segundo a pesquisa da CNM, o financiamento de ações contra as drogas custa, em média, R$ 2,5 milhões por município. Segundo a instituição, esse valor é desproporcional em relação aos estados e à União. O estudo ressalta que em 2010 foram autorizados R$ 124 milhões do orçamento federal para a gestão da política nacional sobre drogas. Desse montante, R$ 90 milhões foram empenhados e R$ 5,3 milhões efetivamente pa­­gos. Em 2011, foram autorizados R$ 33,6 milhões, com R$ 6,3 mi­­lhões empenhados até o mo­­mento e dos quais R$ 4,7 milhões pagos.

Consumo da droga agrava segurança em 58% das cidades

Para as administrações municipais, a segurança é o segundo setor mais afetado pela presença de comércio e consumo de drogas. Na pesquisa A Presença do Crack nos Municípios Brasileiros, realizada pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM), 58% das prefeituras pesquisadas relatam ter identificado uma relação direta entre essas duas questões. Os problemas mais comuns são o aumento de furtos, roubos, violência doméstica, assassinatos e vandalismo, além do surgimento de áreas sem policiamento em regiões com grande presença de traficantes.

O terceiro prejuízo mais recorrente ocorre na área de assistência social, problema identificado por 44,6% das prefeituras. Neste campo estão relacionados os problemas de desestruturação familiar causados principalmente pelo crack – cujos males são mais imediatos e profundos. O abandono do trabalho e dos estudos, por vezes agravado pela mendicância e prostituição infantil, dificultam a reinserção no meio social.

O processo educacional também é afetado. Para 37,9% dos municípios, o uso de drogas causa baixo rendimento, vandalismo, envolvimento com gangues e, por último, evasão escolar. É nesse mo­­­mento que os jovens ficam mais vulneráveis a ser recrutados pelo tráfico.

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