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São Paulo - Sob um circo na Alemanha, um trapezista paulista conhece uma dançarina ucraniana. Os dois se casam, mudam-se para o Brasil, têm um filho. Alguns anos depois, se separam. Ela volta à Europa e a criança fica com o pai em São Carlos (231 quilômetros de São Paulo), mas a disputa de guarda segue na Justiça brasileira. Como é tradição no país, o juiz decide que o filho fique com a mãe. Um dia (fevereiro deste ano), ela parte para a Ucrânia com o garoto, sem autorização do pai, que reclama que precisaria ter sido consultado. Mas o que pode ser feito?

Assim como aconteceu no caso do garoto disputado pelo padrasto carioca e o pai americano – que gera debate diplomático entre Brasil e Estados Unidos – o artista circense Ricardo Almeida Junior conduz o caso em litígio. "Mas meu advogado já disse que será difícil conseguir que ele volte", diz.

A disputa no interior paulista reflete um quadro comum no Judiciário: em disputas de guarda, a tendência das varas de família de deixar o filho com a mãe costuma se sobrepor a discussões sobre em qual país deve ficar a criança.

"Isso não foi o Brasil que inventou. Ao menos no Ocidente, a tendência dos juízes é deixar os menores com a mãe’’, diz Eduardo Tess, que preside a comissão de direito internacional da OAB-SP. "A base dessas decisões é um princípio que talvez seja até um pouco machista: o de que o pai ganha dinheiro para o sustento e a mãe fica casa cuidando do filho. Isso está mudando aos poucos, mas ainda domina nas decisões."

Organização do lar

Para a psicopedagoga Silvia Amaral, não é por acaso que as mães ganham a maioria das ações. "Cada caso é um caso, e o melhor ambiente deve ser buscado, especialmente se a dúvida é entre países. Mas tende-se a achar que, mesmo após a amamentação, a criança precisa de uma organização de lar que em geral é melhor fornecida pela mulher’’, diz.

Foi o entendimento do juiz no caso recente de uma mãe paulista que se casou na França e trouxe o filho ao Brasil, sem autorização do pai. Alegando que o marido a maltratava, ela conseguiu na Justiça o direito de ficar com o menino. O pai está recorrendo.

Singularidade

Situações em que não há mãe na disputa tendem a ser ainda mais complexas. É, por exemplo, o que torna singular o caso do menino disputado pelo padrasto brasileiro, João Paulo Lins e Silva, e o pai americano, David Goldman. Bruna Bianchi, a mãe biológica, havia se mudado com o garoto para o Brasil em 2004 dizendo a Goldman que estava apenas visitando a família. O pai tentou a guarda do menino, hoje com oito anos, mas perdeu. Desde que Bruna morreu, no ano passado, ele voltou a pleitear o direito.

No debate diplomático sobre o caso, o governo dos EUA citou a Convenção de Haia de 1980, segundo a qual a criança tirada de um país sem respeito aos direitos de guarda deve retornar. A exceção citada no acordo, do qual o Brasil é signatário, são casos em que a criança já esteja adaptada ao novo país. Com a morte da mãe, a situação se reconfigura e a aplicação da lei ganha mais polêmica.

Impedir a adoção

Há casos ainda mais complexos, como o da maranhense Civanilde Marques. Mesmo com apoio da diplomacia brasileira, ela não conseguiu impedir na Justiça italiana a adoção de seu filho de 14 anos.

Funcionária pública em São Vicente Ferrer (MA), Civanilde engravidou, aos 15 anos, de um homem de 63. Quando o garoto tinha sete anos, ela permitiu que se mudasse para a Itália com a irmã do lado paterno, que havia se casado com um italiano. A relação não deu certo, a irmã acabou em dificuldades e o garoto foi parar em um lar para menores carentes.

"Fui para a Itália duas vezes e tentei impedir a adoção, mas o parecer da psicóloga foi contra a volta do meu filho ao Brasil’’, ela conta. Depois de tentar "todas as instâncias’’ na Itália, restou-lhe se conformar. "Hoje, não acho justo pedir que ele volte. Mas vou esperar que ele faça 18 anos e procurá-lo para dizer que ele tem uma mãe."

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