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Quem ouve de fora deve pensar que é uma nova balada, mas em dias e horários inusitados. Terças às 20 horas e domingos às 19, centenas de jovens e adolescentes "descolados", trajando figurino e adereços característicos de cada tribo, se dirigem ao barracão localizado no número 283 da Avenida Silva Jardim, em Curitiba. Minutos depois se ouvem os primeiros acordes, o show começa e logo a platéia está delirando ao som de rock e reggae. Tudo sem o menor sinal de fumaça (lícita ou não) e nem uma única latinha de cerveja. O curioso que chegar mais perto vai perceber que as letras entoadas são singelamente cristãs.

Dentro do barracão, o visitante ainda se depara com grafites de imagens de surfistas em tubos perfeitos e outras paisagens praianas. À direita, uma pequena lanchonete lembra um quiosque de praia, enquanto o mestre-de-cerimônias "troca idéias" com o público usando gírias e apoiado em uma prancha de surfe. Trata-se de um culto da Bola de Neve Church, igreja evangélica pentecostal que nasceu em São Paulo em dezembro de 1993, nas reuniões informais de um grupo de surfistas evangélicos liderados pelo hoje pastor Rinaldo Luiz de Seixas Pereira, o Rina.

A menos de um quilômetro dali, na Avenida Visconde de Guarapuava 2.425, outra balada misteriosa em um barracão atrai levas de metaleiros cabeludos com roupas pretas, às quartas (19h30), sábados (19 h) e domingos (18 h). Aos sábados, o barulho é forte: bandas de heavy, trash, death metal, metal melódico, hardcore e punk rock se revezam no palco e incendeiam a platéia. De novo, nada de álcool, cigarros ou drogas. A festa na verdade é uma das reuniões da Comunidade Gólgota, pequena associação evangélica criada em 2000 pelo guitarrista Volmir de Bastos, o Pipe, hoje com 35 anos, para "levar a palavra de Deus ao meio underground". A comunidade começou com nove pessoas, além de Pipe e da esposa, e hoje conta com cerca de 150 associados.

Bola de Neve e Gólgota são dois exemplos do nível de segmentação a que podem chegar as igrejas evangélicas. E há outros: a comunidade Mel, voltada ao público GLS, a Sara Nossa Terra, composta predominantemente por fiéis de classe média/alta, além de associações como a Adhonep (Associação de Homens de Negócio do Evangelho Pleno) e outras mais conhecidas, como Atletas e Artistas de Cristo.

O teólogo leigo Antônio Carlos Coelho, professor de ecumenismo do Studium Teologicum, de Curitiba, diz não ver muita diferença entre essas denominações segmentadas e as demais igrejas neopentecostais. "É mais a linguagem. Há uma busca intensa dos jovens para preencher o vazio interior, então eles tentam com o sagrado, mas recorrem à uma linguagem familiar", afirma. "As igrejas tradicionais não abrigam esse público, perderam a afetividade e se tornaram muito racionais. E estamos na era da afetividade, da ternura."

Coelho considera positiva essa segmentação das igrejas evangélicas: "Como movimento religioso é positivo, tem o seu valor. Não podemos querer limitar a maneira como Deus vai falar com as pessoas."

De acordo com o teólogo, a burocracia explica por que essa segmentação não atinge a Igreja Católica com tanta intensidade – embora grupos ligados à Renovação Carismática já adotem práticas como o "pagode de Jesus", com sambas cristãos.

"As igrejas evangélicas não têm a unidade que a Igreja Católica tem, e eles adotam a livre interpretação da Bíblia. À medida que encontram novas interpretações, novas igrejas vão surgindo", observa. "Já o catolicismo é um ‘elefantão’, qualquer mudança ou inovação é bem mais complicada de ser posta em prática."

Outra explicação é de que há maior envolvimento dos fiéis evangélicos. "De cada dez católicos, dois ou três são praticantes. Já entre os evangélicos existe a demanda para o atendimento a roqueiros, skatistas, surfistas, atletas, e as pessoas procuram o lugar onde mais se identificam."

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