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| Foto: João Borges/PUCPR

O direito à cidade, conceito regulamentado pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01), ganhou evidência nos últimos meses após a onda de manifestações que tomou conta do país, em junho. Jovens foram às ruas por melhores condições de saúde, educação e transporte. O assunto foi tema da palestra do advogado Nelson Saule Júnior, especialista em direito urbanístico e membro técnico do Instituto Pólis, que abriu o Congresso Universitas e Direito, realizado no fim do mês passado, no câmpus Curitiba da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

Segundo ele, a legislação atual regula o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, segurança e bem-estar dos cidadãos, mas, na prática, muitos direitos são garantidos apenas mediante intervenção da Justiça. Acompanhe a seguir a entrevista concedido à Gazeta do Povo após o evento.

O direito à cidade é um conceito respeitado no Brasil?

Hoje, na perspectiva do sistema legal, ele precisa ser preservado pela Justiça e não se trata apenas de uma plataforma política e filosófica. As pessoas precisam demandar uma condição melhor para elas, de acordo com o que está preconizado no Estatuto da Cidade. Essa não é uma demanda apenas brasileira, mas mundial. Vamos, inclusive, defender que esse direito entre na agenda internacional na 3.ª Conferência das Nações Unidas para Habitação, em 2016.

Como garantir a participação da sociedade nesse processo?

São várias as ferramentas dentro do campo do direito urbanístico e uma das principais delas é a gestão democrática das cidades, que pode ser feita por meio de participação popular como, por exemplo, audiências públicas. É um instrumento que pode garantir a participação da população nas decisões estratégicas das cidades.

Alguns projetos, como o do metrô de Curitiba, tiveram audiências públicas. Mesmo assim, o tema mobilidade urbana foi alvo de protestos por aqui...

A audiência pública é um dos instrumentos, mas você precisa associá-la a outros, como os debates públicos, que devem ser levados aos bairros. Hoje, por exemplo, quando há necessidade de desapropriação de uma área, a negociação não é feita de forma coletiva. Isso traz problemas sérios porque não é estabelecido um processo público transparente. Qual a principal dificuldade para incluir a população nessas discussões?

O grande desafio é criar um modelo que não seja de exclusão, mas de inclusão. Muitas vezes você tem um programa de desenvolvimento econômico de uma região que não inclui nem beneficia a população como um todo. É um desenvolvimento sob o viés da exploração imobiliária.

Os grandes eventos esportivos seguiram essa lógica?

A Copa do Mundo serviu como justificativa para favorecer e até acelerar investimentos voltados ao interesse imobiliário. Os equipamentos são construídos, tanto os esportivos quanto os viários, e começa a ter valorização imobiliária no entorno. No Rio de Janeiro isso é muito claro na região central, onde a tendência é de que essas intervenções excluam a população dali, principalmente os moradores do Morro da Previdência.

A ausência do direito à cidade foi combustível para os protestos de junho?

As manifestações foram motivadas por várias questões, como saúde, mobilidade e educação, e se transformaram em algo mais geral, pelo direito à cidade. O que ficou claro é que, por mais que setores conservadores não queiram admitir, a população melhorou seu acesso ao conhecimento, à informação mesmo, e não sentiu que os serviços melhoraram satisfatoriamente. Isso foi somado à conjuntura da Copa do Mundo e desencadeou os protestos. Agora, o que falta saber é como concretizar essas demandas por meio das ferramentas disponíveis no campo do Direito e da Justiça.

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