
Há pouco mais de duas semanas, a jornalista Juril Carnasciali, 91 anos, deu um "chega para lá" no mal-estar que a vinha perseguindo. Aviou-se, marcou salão para manter a tradição do penteado impecável , escolheu um traje clássico, de bom corte, e se preparou para um evento no Centro de Letras do Paraná. Eventos, afinal, eram sua especialidade por nada menos do que seis décadas não seria uma tonturinha que a derrubaria. Era comum vê-la brincar com as amigas: "Hoje tenho 16 festas para ir", cifra impossível até para um campeão de triathlon. Além do mais, o compromisso daquele dia tinha sabor especial: era 12 de junho e Juril seria a homenageada numa instituição centenária, que chegou a dirigir.
Não fez feio. Ouviu a discurso emocionado da vice-presidente do Centro a empresária e amiga Vânia França de Souza Emmes; discursou em seguida, como gostava; e antes que o encontro acabasse, ofereceu um bônus tocou piano, deixando os convidados encantados com tanta vivacidade numa nonagenária. "Inigualável", resume Vânia, sobre aquela que foi a última grande aparição pública da decana do colunismo social no Paraná: Juril Carnasciali morreu no início da tarde de ontem, em seu apartamento, no Centro de Curitiba, em decorrência de complicações cardíacas. Era viúva. Deixa a filha Julieta e três netos.
Herdeira
É impossível separar a vida de dona Juril, como a chamavam, da trajetória de seu pai o jornalista, empresário, advogado e intelectual Oscar Joseph De Plácido e Silva. O alagoano De Plácido teve quatro filhas com a paranaense Julieta Calberg Jusil, Juril, Jusita, Juci. Mas era Juril uma espécie de extensão do homem que se tornou uma referência do mundo jurídico e fundador do mais longevo jornal paranaense, a Gazeta do Povo.
Foi fácil? Não. Ela seguiu a sina de impedimentos sofridos por outras herdeiras de jornais, cujo símbolo maior é Katharine Graham, do Washington Post. Mas fez avanços. Em 2009, num depoimento dado à Gazeta, por ocasião dos 90 anos de fundação da casa, Juril confidenciou que ela e o pai tinham tamanha identidade que mantinham mesas coladas no escritório da casa em que viviam, na Rua Dr. Muricy, 73.
De Plácido era seu formador e a teria apontado para a vida pública, livrando-a, em parte, dos espartilhos domésticos. Numa época em que mulheres não eram só raras nas redações, mas também malvistas se frequentassem um ambiente tão masculinizado, o advogado não só permitia que a filha trabalhasse como que frequentasse a Gazeta.
Foi desse modo que entrou para o jornalismo, em 1956, com a coluna "O que se passa na sociedade". Estreou bem nada menos no ano de um dos casamentos do século, o de Grace Kelly com o príncípe Rainier. Em paralelo, participou da Guaíra, editora de sua família que chegou a ser, ao lado da Editora Globo, a mais importante casa publicadora do Sul do país. Tinha nada menos do que John dos Passos no seu cast.
Sua maior marca, contudo, acabou sendo o colunismo, cujo estilo cruzou a segunda metade do século 20. Embora conhecida por não mandar recados, no jornalismo imprimiu a marca da delicadeza, da etiqueta, do familismo. Chegou a publicar em sua coluna pequenos textos de Selene do Amaral di Lenna Sperandio, cujo codinome era "Mme. Felicidade". Não era ela, mas bem poderia ser: Juril tinha todos os requisitos para ser chamada assim.
"Ela conhecia as pessoas pelo nome. Acompanhava do batizado ao casamento", elogia a jornalista Nadyesda Almeida, filha do colunista Dino Almeida, com quem Juril dividiu o pódio da Gazeta por três décadas. Tinham estilos absolutamente diferentes. Juril era capaz de descrever os tafetás de seda pura de cada demoiselles dhonneur de um casamento. As mulheres da qual falava tinham modos de garotas do Sion. Dino não deixaria passar em branco uma "locomotiva" de trajes e personalidade incomuns. Mesmo assim, ele fazia questão de tê-la no júri do Glamour Girl. Ela jamais negava o regateio do amigo.
Os que a acompanhavam de perto sabiam de todas essas mil vidas de Juril. E viam outra mais a da mulher dada à filantropia. "Visitou mais de 20 instituições de caridade em Curitiba. Adotou outras tantas", conta a amiga Marialva Pontes. Nos últimos anos, Juril pedia que não lhe dessem presentes no dia 13 de maio data de seu concorridíssimo aniversário: que gastassem comprando alimentos e cobertores para os pobres. "Ela enchia Kombis com doações", lembra Vânia Emmes. Madame era assim.
Vídeo
Assista à entrevista com Juril de Plácido e Silva Carnasciali feita para a comemoração dos 90 anos da Gazeta do Povo, em 2009:
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