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A tecnologia invadiu silenciosamente a sala de aula mas causou um tremendo barulho - e questionamentos. Perante a um mundo cada vez mais conectado e com mais plataformas digitais disponíveis para alunos e docentes, os professores Zeca de Mello, da Coppe-UFRJ e da FGV e Nelson Pretto, da UFBA, debateram sobre ética, educação e tecnologia durante o seminário internacional Educação 360, promovido pelos jornais O GLOBO e “Extra”. A mesa foi mediada pelo curador do evento, Antonio Simão Neto.

O debate foi permeado por um questionamento: com tanta informação disponível em variadas plataformas que são naturais para atual juventude, como ensinar?

“É necessário uma nova forma, uma nova atitude perante o mundo.Temos que vencer a grande tentação da ‘superficialidade’ (que essa hiper-conectividade proporciona). Para enfrentar isso é necessário a lucidez crítica. Desenvolver a filosofia, uma criticidade, que a gente ainda não aprende na escola. É a ideia de tomar mais distância. Ver de um outro ângulo”, afirmou Mello.

A diferença geracional foi apontada como um ponto para reflexão. Ambos concordaram que esta geração tem mais acesso a informação, domínio que era quase exclusivo da escola. Porém, Nelson Pretto expõe que não se pode ser saudosista e acreditar que uma geração possui competências melhores do que a outra.

“O Zuenir Ventura escreveu uma vez que “Essa geração só tem reflexo, não tem reflexão”. Verdade. Mas, e aí? Vamos trabalhar. Não vamos buscar o passado. Gerações passadas tinham mais reflexão e a atual tem mais reflexo. Vamos agora ficar comparando? O desafio, então, é desenvolver mais reflexão. É um ponto dado. A questão é: como faço política pública para que a criação seja o centro?”, refletiu.

O ritmo acelerado da sociedade atual também foi um ponto bastante discutido. Mello, que já foi padre por mais de dez anos, expôs uma série de teóricos que apontam para uma aceleração social, que pode ser prejudicial.

“A mudança faz parte da nossa existência mas o conceito de aceleração é o mais importante. Mudou tudo. O que significa aceleração social? Que mudanças que duravam duas ou três gerações, agora, estão durando uma”, afirmou Mello, que largou a batina e hoje dá aulas para executivos. “Nas escolas a gente tenta abandonar a palavra série, porque remete a linha de montagem. Nas empresas, tentam abandonar funcionário e transformar em colaborador. Aceleração social diz respeito dessa velocidade que essas interações transformam a face das nossas instituições”, comentou.

Citando frequentemente o pensador Harmut Rosa, Zeca disse que é necessário uma reeducação sobre o nosso olhar, que é necessário um despertar na criticidade desde os bancos escolares até o auge da vida empresarial.

“A gente cria palavras novas para exprimir coisas que não podem ser exprimidas. ‘Tempo de qualidade com os filhos’, como se isso pudesse ser medido em um tempo. Livros como ‘Mil e um vinhos que a pessoa tem que beber’, imagina a angústia da pessoa. Mil coisas para ver, mil lugares para visitar. Uma angústia”, ponderou.

Citando Rosa, Zeca falou que “o movimento não é mais em direção a um objetivo, ele se torno o objetivo em si mesmo”. Essa não foi a única desconstrução do encontro. Pretto também afirmou que o professor tem que se tornar um hacker mas pediu atenção para não confundir hacker, aquele que se apropria, com cracker, aquele que rouba.

“O professor tem que enaltecer a produção e a diversidade. Ele tem que se apropriar do que está acontecendo e utilizar tudo aquilo que é livre. Nesse sentido, o professor tem que ter um jeito hacker”, afirmou Pretto.

O professor da UFBA também falou que a atual lógica de ensino é pautada na reprodução de conteúdo e que isto é fácil de mensurar em avaliações mas não pode ser considerado como um adequado sistema de ensino. Para Pretto, o grande passo seria sair da condição de reprodução para a de produção na sala de aula.

Nesse ponto, a própria escola também se modifica já que não cabe a ela, perante a imensidão de novas informações que surgem e estão disponíveis virtualmente, o papel de reprodutora do conhecimento

“Esse é um problema porque tínhamos escassez de informação. O menino ia para escola porque a escola, efetivamente, tinha um mestre que traria as informações. Com as escassez de informações, a escola tinha um papel fundamental. Mas hoje, o mundo explodiu, no sentido de que estamos conectados constantemente. Se tudo isso vai acontecendo, há uma perspectiva potencial de que ‘você é o que você compartilha’. A produção do conhecimento é pautada pelo compartilhamento”, argumentou.

Apesar de Zeca e Pretto a todo momento argumentarem que suas falas estavam complementares, a visão do ex-padre buscava enfatizar a necessidade da reflexão buscando um distanciamento perante ao mundo digitalizado e as intensas interações - incluindo aos compartilhamentos.

“Tem uma massa de pessoas que ganhou dinheiro, se deu bem mas não é feliz. Perante a essas mudanças, cabe uma pergunta: o que é uma vida boa? O que é um bom viver? Cada vez fica mais difícil criar uma narrativa no sentido de nossa própria história. Ter acesso a informação não é o mesmo que pensar”, disse.

Para Zeca, portanto, a educação tem como função fundamental trazer esta criticidade. “Temos que enfatizar uma educação que ajude a compreender o mistério que elas (pessoas) mesmas são. Não há ciência, não há avanço sem a curiosidade provocada e a capacidade de maravilhar-se daquilo que se quer descobrir. Nós somos aqueles que não cabemos em nenhuma forma”, ponderou.

Entretanto, os destaques apontados por Pretto apontam que a interação entre tecnologia, educação e ética devem ser, sim, criticadas mas já são fortes e devem ser aproveitadas. Para o professor da UFBA, a questão é distinguir o uso da tecnologia: fugindo de “grandes corporações e se aproximando de uma lógica mais artesanal”.

“Computador e internet não são ferramentas. Esta visão é um erro. Temos que entender como elementos de produção, elementos de linguagem ou vamos reduzi-las em equipamentos pedagógicos. O que faz uma televisão, um computador, um vídeo pedagógico é o professor fortalecido. É óbvio que tudo isso vai depender de uma arquitetura escolar que favoreça esta perspectiva. Precisamos nos apropriar dessa tecnologia da mesma forma que a meninada faz quando se apropria de um smartphone”, analisou.

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