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A Justiça do Distrito Federal absolveu um homem de 29 anos acusado de tentar roubar um beijo de uma moça dentro de uma van de transporte coletivo. Na sentença, o juiz critica o andamento da ação, que movimentou pelo menos 43 servidores do Judiciário nos dois anos e oito meses de tramitação do caso.

O juiz substituto da 1ª Vara de Entorpecentes e Contravenções Penais do DF, Fabio Martins de Lima, diz em sua sentença que "a moçoila ofendida foi surpreendida pelo inopinado beijoqueiro, que, não resistindo aos encantos da donzela, direcionou-lhe a beiçola, tendo como objetivo certo a face alva da passageira que se encontrava ao lado".

O caso ocorreu em fevereiro de 2006, em Brazlândia, cidade-satélite de Brasília. O rapaz que tentou dar o beijo na moça não conseguiu seu prêmio e, além de apanhar dela, ainda acabou sendo processado.

Ele foi acusado com base no artigo 61 da Lei de Contravenções Penais (importunação ofensiva ao pudor em local público). O crime é punível com multa, que pode ser convertida em prisão de 15 dias a três meses ou tratamento ambulatorial. Durante o processo, ele foi considerado pela Justiça como semi-imputável (incapaz de responder completamente por seus atos) por sofrer de esquizofrenia.

A moça que entrou com a ação, descrita pelo juiz como "uma mulher forte e robusta", disse que "esgoelou" e bateu no beijoqueiro para livrar-se dele. Segundo o Tribunal de Justiça do DF, uma das testemunhas do caso disse que ela não permititiu o beijo. "Ela reagiu e deu muita porrada no sujeito", contou a testemunha ao juiz, em audiência preliminar.

Ao final da audiência, o juiz perguntou à vítima se o rapaz que tentou dar-lhe um beijinho era bonito. "Doutor, se ele fosse o Reynaldo Gianecchini, a reação teria sido outra", respondeu a moça.

Justiça para quem precisa

Apesar de o caso ser pitoresco, o juiz criticou o uso da máquina do Judiciário para tratar de questão sem relevância. Lima chega a enumerar na sentença os funcionários do Judiciário que em algum momento tiveram contato com o processo: dez juízes, oito promotores, cinco procuradores de Justiça, nove defensores públicos, oito médicos e três delegados.

"Impossível aferir com exatidão as dezenas de profissionais chamados a intervir no presente processo. No entanto, tal estimativa serve para evidenciar o tamanho do disparate em direcionar toda essa estrutura para apurar a prática de uma bicota [‘beijinho’], aliás, uma tentativa de bicota, levada a efeito pelo infeliz acusado", diz o juiz em sua sentença.

Antes de a ação chegar a julgamento, um membro do Ministério Público do DF chegou a pedir que o processo não tramitasse, ao perceber "o quão esdrúxula" era a acusação.

Ainda assim, acabou remetido ao procurador de Justiça, que designou uma comissão com três promotores para analisar o caso. A comissão resolveu dar andamento à ação. Com sarcasmo, o juiz diz que os três decidiram, "após rebuscada pesquisa", que "não era possível o arquivamento com base no princípio da insignificância".

Na sentença, o juiz diz ainda que faz "votos de que não surja um ‘iluminado’ com a ‘estupenda’ idéia de, por meio de recurso, prorrogar a presente discussão e sangria de recursos públicos financeiros e humanos". Segundo ele, "gastos inúteis não se justificam em parte alguma".

Tratamento ambulatorial

Lima lembra em sua sentença que decidiu não recomendar o tratamento ambulatorial para o rapaz porque não via benefícios que a medida poderia trazer para a família da vítima, como alegava a acusação.

O juiz lembra em seu despacho um caso ocorrido em 1967, de um homem que foi inocentado em um processo em que era acusado de lesões corporais, mas que foi enviado para tratamento ambulatorial. Segundo o juiz, ele passou 36 anos em presídios e manicômios até ser libertado.

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