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Moças jovens e de baixa escolaridade

A maioria das jovens que recorriam à Justiça estava na faixa dos 17 anos. Mas a idade era um elemento discutível nos processos porque nem sempre as moças tinham a certidão de nascimento (que deveria ter sido expedida antes de acontecer o suposto crime). "No interior havia uma certa dificuldade para fazer o documento logo que a criança nascesse", explica a historiadora Kety Carla de March.

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A legislação do defloramento

Deflorar significa "tirar a flor". Esse termo foi criado pela Justiça ainda no Código Penal de 1830, mas tornou-se crime previsto com esta nomenclatura no Código Penal de 1890. É definido pelo Artigo 267 como crime contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje ao pudor público. Na consolidação das Leis Penais de 1932, o assunto ainda aparece como: "Deflorar mulher de menor idade, empregando sedução, engano ou fraude".

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Não era fácil perder a virgindade no início do século 20. Pior do que deixar de ser pura em uma sociedade conservadora, era descobrir que todo mundo já sabia do ocorrido, o que muitas vezes forçava as famílias a tentar recuperar a honra da filha recorrendo à Justiça. Somente em Guarapuava (PR), de 1932 a 1941, existiram 57 processos de crime de defloramento – eles julgaram casos de adolescentes entre 16 e 21 anos que "perderam a flor" depois de consentir o ato sexual com um homem diante de promessas de um bom casamento.

Era em bares e reuniões amistosas que os homens revelavam o ato, considerado crime na época, relatando aos amigos os detalhes da relação sexual que mantiveram com as moças a fim, provavelmente, de demonstrar virilidade aos de­­mais presentes. "Este tipo de fofoca era o que levava o defloramento ao público e constitui-se no cerne de muitas denúncias de crimes nesta categoria", explica a historiadora Kety Carla de March, pesquisadora de relações de gênero. Ela estudou o assunto na dissertação de mestrado defendida neste ano.

Como as moças desvirginadas perdiam o valor no mercado matrimonial, a Justiça criou meios de protegê-las (veja o que dizia o Código Penal da época nesta página). Também foi a maneira encontrada para evitar que a jovem "desonrada" procurasse a prostituição como única forma de sustento. Cabia, então, ao representante legal dela prestar queixa criminal, já que elas eram juridicamente incapazes de fazer isso.

Durante o processo criminal, a mulher deveria comprovar que era honesta no sentido sexual. O que não era tão simples assim. Peritos médicos analisavam as condições do hímen da jovem: se ela tivesse mantido a primeira relação sexual 15 dias antes do exame, acreditava-se que o hímen teria um tipo de cicatrização que não apareceria se o contato sexual fosse intenso. "Era uma exame inconclusivo e gerava diversas dúvidas, até porque ela poderia namorar com o rapaz há três anos, por exemplo, e manter relação sexual com ele durante todo este período na esperança de casar", diz Kety. Por isso, além do exame, os juízes aceitavam a prova testemunhal, em que pessoas da sociedade deveriam relatar casos de idoneidade da moça. "O processo era um direito da jovem e de sua família de recuperar a honra perdida, mas também expunha a vida íntima dos envolvidos", explica Kety.

Justamente por causa dessa exposição, dos 57 processos analisados pela pesquisadora, praticamente todos eram de jovens que foram consideradas miseráveis pela Justiça, o que quer dizer que pertenciam às classes sociais mais baixas e não tinham dinheiro para as custas processuais: as despesas eram pagas pelo acusado (quando condenado) ou a Promo­toria Pública assumia o processo. Kety lembra que os casos de defloramento nas camadas sociais mais elevadas normalmente eram resolvidos a quatro paredes, evitando qualquer tipo de humilhação para a família e à moça.

A Justiça, por outro lado, deveria estar atenta porque este tipo de processo também poderia ser usado pela moça para obter um casamento que ela simplesmente desejasse (mas até então não tinha conseguido) ou ainda para ganhar um dinheiro com o dote "perdido". "Elas nem sempre eram as vítimas. A posição de inocência das jovens acabava sendo constantemente questionada", enfatiza Kety.

O homem condenado pelo crime de defloramento cumpria pena de um a quatro anos de detenção, poderia ser obrigado a ser casar com a moça ou pagar uma certa quantia em dinheiro pelo dote "roubado". Dos 57 casos analisados pela pesquisadora, em oito houve a condenação do acusado, em quatro o homem foi obrigado a casar com a moça e os demais veredictos resultaram em prescrições do crime (morte do acusado ou passados sete anos do ato sexual realizado), absolvições e ações consideradas nulas.

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No Código Penal dos Estados Unidos do Brasil, datado de 11 de outubro de 1890, no seu Título VIII, que versava sobre os crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor, em seu Capítulo I, o da violência carnal, no artigo 268, impunha pena de prisão de um a seis anos, àquele que estuprasse mulher honesta, seja virgem ou não. O § 1º do mesmo artigo, trazia uma pena reduzida ao agente que estuprasse mulher "pública" ou prostituta, que era de seis meses a dois anos somente.

José Henrique Pierangelli, Códigos Penais do Brasil

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