Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Educação

Em busca do aluno ausente

Fichas “Fica” custam pouco e podem integrar educadores e conselheiros no combate à evasão escolar. Apenas este ano, controle revela existência de 5.589 estudantes em processo de abandono dos estudos

As professoras Sirlene e Lorena, da Colbacchini: medidas simples contra a evasão | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
As professoras Sirlene e Lorena, da Colbacchini: medidas simples contra a evasão (Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo)
Pais e crianças do bairro Umbará, no início da tarde da última quinta-feira, na hora de ir para escola: falta de ônibus, caminhões e sobra e luta contra a evasão |

1 de 2

Pais e crianças do bairro Umbará, no início da tarde da última quinta-feira, na hora de ir para escola: falta de ônibus, caminhões e sobra e luta contra a evasão

Veja que os dados gerados pela Fica são parciais, pois nem todas escolas informam as ausências |

2 de 2

Veja que os dados gerados pela Fica são parciais, pois nem todas escolas informam as ausências

Há três anos, um relatório de nome simpático, o "Fica", entrou na rotina do estado com a promessa de afugentar um dos fantasmas nacionais: a evasão escolar. Não se pode dizer que a missão esteja cumprida, mas é inegável que a implantação da Ficha de Comunicação do Aluno Ausente, seu nome oficial, alterou a rotina nos círculos educacionais.

Criança e adolescente fora do colégio, a partir da Fica, virou estatística em tempo real. Mais. A ficha bendita deixou professores e diretores mais antenados à situação dos alunos que somem do mapa – meio caminho andado para o pior dos mundos. Outra particularidade é que quando o abandono alcança um estágio que a escola não consegue resolver, o cadastro é enviado para os conselhos tutelares, para que os conselheiros prossigam o resgate do estudante. Ou seja, a Fica tem efeito de rede.

Seria assim num mundo perfeito. Por enquanto, muitas escolas respondem à ficha de vez em quando. E não faltam relatórios que chegam aos conselhos quando na verdade poderiam ser solucionados in loco, embolando o meio de campo. Mas há o que festejar. Enquanto o processo de registro vai se ajustando, a boa notícia é que abandono e evasão escolar deixaram de ser assunto para balanços de fim de ano, quando um exército de repetentes e evadidos já ficou para trás, engrossando alguns dos piores índices educacionais do país. Dá para saber em maio, em junho ou em outubro quantos estão a caminho da evasão. E agir.

Basta fazer uma via-sacra pelos conselhos e secretarias de educação, contabilizar a papelada. E ficar pasmo. De janeiro a outubro deste ano – de acordo com esses dados – 5.589 fichas Fica foram parar nos conselhos tutelares da capital. O dado é parcial, já que não se sabe a quantidade de documentos não enviados pelas escolas. "Prepare-se porque em novembro tem um pique de notificações", avisa a conselheira tutelar Jussara Gouveia, da Regional Pinheirinho.

Mês que vem muitos mestres vão se dar conta das reprovações por falta ou por desempenho, principalmente na quinta série do fundamental e primeiro ano do ensino médio – etapas que registram os maiores índices de evasão. Só em 2008, chegaram ao banco de dados da Secretaria de Estado da Educação 2.048 casos de alunos da rede que desistiram por estarem defasados – ou seja, por serem retidos, como se diz, têm mais idade do que a turma em que estudam. O segundo grupo de candidatos ao bota-fora são os chamados de "indisciplinados", com 1.190 casos do início do ano até agora. Estão a meio palmo entre "arrepiar" o pátio do colégio a situações de conflito com a lei.

As 5.589 fichas de notificação de ausência preenchidas até agora em Curitiba não podem ser lidas a ferro e a fogo. Eis o problema. O banco de dados do estado mostra que pelo menos 50% dos abandonos são resolvidos pela própria escola, na sua maioria, seguido pelo conselho e pelo Ministério Público. Mas ainda que metade desse grupo esteja evadido, equivale a um Colégio Estadual do Paraná inteiro.

Nem o estado nem a prefeitura de Curitiba – num paralelo nacional – têm índices alarmantes de evasão. Mas isso não significa que não seja uma causa capaz de mobilizar a sociedade. Mesmo baixos, os números extrapolam o suportável. Se 500 crianças abandonarem o ciclo básico por ano, em dez anos serão 5 mil cidadãos expostos à pobreza, ao subemprego e mesmo à marginalidade.

Daí a necessidade de aprimorar um método tão simples como a Fica. A fichinha que circula nas escolas e nos conselhos têm o poder. Para a educadora Nara Salamunes, diretora do Departamento de Ensino Fundamental da prefeitura, a "Era Fica" está se estabelecendo. Prova de que o controle aumentou é que o número de registros é maior a cada ano.

Na escolas da prefeitura o índice de registros praticamente duplicou em três anos, enquanto a evasão decresce, mesmo em escolas que oferecem o fundamental, como a Herley Mehl (0,96% de evasão em 2007), e as situadas em zonas em que pobreza e violência formam um dueto, feito a Maria Marli Piovesan (0,78% em 2007), próxima ao Bolsão Audi-União. "O aluno não evade. Ele está evadindo. É um processo", diz Nara.

No estado, a variação de fichas 2007 para 2008 foi de 27,6%. Mas não é a questão. Ainda por resolver é a dificuldade da escola em gerenciar seus candidatos à evasão. A tendência, por ora, ainda é repassar, mesmo casos leves, para o conselho tutelar, o que representa um claro desvio de função. (leia na página ao lado). Essa realidade só muda se a escola fizer um pacto pró-permanência do aluno, revendo seus métodos. Nem sempre bilhetinho mandado por amigos ou paliativos do gênero resolvem.

Em zona de periferia, criança muda de endereço com facilidade. Há também o trabalho infantil doméstico. A pobreza extrema. O caso de pais que não valorizam a escola. E os que não precisam comparecer nem para renovar a matrícula. Trazê-los para dentro das instituições é tão importante quanto manter os pequenos na sala de aula. "A ficha tem de ser a última instância", avisa Nara, reforçando o papel da escola no contato com a família dos ausentes.

A posição é reforçada pela educadora Letícia Felipe Nunes, responsável na Secretaria de Estado de Educação pela estatística da Fica. "A escola tem seus limites. Não há como dar conta de tudo. Mas precisa priorizar o contato com os pais". Eis um bom plano para os dias escolares que ainda restam de 2008.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.