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Educação

O futuro passa pela mesa dos conselhos

Conselheiros tutelares vêem abandono escolar da perspectiva do lugar em que os alunos moram. O quadro choca. Por isso, pedem mais parceria das educadores

Jussara Gouveia e Elenize Borm, conselheiras das regionais Pinheirinho e Bairro Novo: negociação com a escola | Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo
Jussara Gouveia e Elenize Borm, conselheiras das regionais Pinheirinho e Bairro Novo: negociação com a escola (Foto: Ivonaldo Alexandre/Gazeta do Povo)
Diogo Costa, conselheiro da Boa Vista – 800 fichas de comunicação desde o início do ano: sem tempo |

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Diogo Costa, conselheiro da Boa Vista – 800 fichas de comunicação desde o início do ano: sem tempo

Diogo Costa tem 23 anos e é presidente do Conselho Tutelar da Boa Vista, região da cidade com 254 mil habitantes, cerca de 80 mil na faixa de zero a 18 anos. Os números impressionam esse que é o mais jovem membro eleito para um conselho na cidade. Ele faz as contas e calcula quantas crianças e adolescentes seu grupo de trabalho, em tese, precisaria atender – cerca de 16 mil cada conselheiro.

Diante dessa estatística, só resta uma saída: estabelecer prioridades, já que parte da assistência é domiciliar. É nesse momento que as fichas de comunicação de ausência escolar – a Fica – acabam em segundo plano. "Todas as violações de direito são prioridade. Mas os casos de violência contra a crianças são muitos e muito graves. Acabam absorvendo boa parte de nosso tempo", explica.

Costa não exagera. Há poucos meses, os conselhos reuniram os dados das nove regionais de Curitiba no período de janeiro de 2007 a junho de 2008. Em um ano e meio foram 17.709 registros de violação de direitos – atendidos por um grupo que não ultrapassa 40 pessoas. A educação corresponde a quase 50% dos casos listados, mas são as situações de violência física, psicológica e sexual – com 18% do levantamento – as que mais exigem dedicação aos envolvidos.

A situação – reconhecem os quatro conselheiros ouvidos pela reportagem – é desconfortável. Em paralelo à falta de estrutura para atender tantos casos de evasão, não se pode dizer que conselhos e escolas tenham uma parceria satisfatória. Representantes do estado e da prefeitura ouvidos reconhecem que o relacionamento poderia ser melhor. E que onde a troca aumentou, os problemas diminuíram.

Uma das rusgas entre conselhos tutelares e a educação é de ordem conceitual. Não raro o conselho é visto por professores de forma policialesca e invocado para alertar os alunos, o que demonstra desconhecimento da natureza do instrumento criado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Não causa espanto que no momento em que o estudante começa a faltar as aulas ou se torna indisciplinado, o conselheiro seja chamado, sem que a escola tenha lançado mão de todos os seus recursos para solucionar o impasse – o que é seu dever, de acordo com o ECA.

O resultado dessa pressa é que as Ficas se avolumam nas mesas dos conselheiros. Não se trata de uma regra, mas de uma tendência no momento em que a educação consome suas energias para barrar o surto de violência nos colégios e "bota fé" nos conselhos. A dificuldade em seguir as regras na escola é o segundo motivo de ausência nos colégios do estado neste primeiro semestre.

Diante de até 80 fichas desembarcando na sua sala num único dia, a conselheira Jussara Gouveia, da Regional Pinheirinho, decidiu refazer o pacto com os educadores. Reuniu-se com a líder do núcleo municipal de educação e colocou o problema na mesa. O número de fichas diminuiu e as conselheiras estão recebendo casos em que a escola já esgotou seus recursos.

Mas Jussara acha que é possível ir mais longe: ela sugere a criação de grupos multidisciplinares dentro dos colégios – formando uma rede dos vários agentes sociais em torno da educação. A conselheira também reivindica a presença do assistente social junto aos alunos. Os dois recursos teriam um efeito imediato: evitariam a transferência de responsabilidades para as costas dos conselheiros.

As propostas encontram resistência nos setores educacionais – que julgam já haver o conselho escolar e os centros de referência em assistência pessoal (Cras). Mas traduzem uma outra angústia dos conselheiros: a sensação de ser um pronto-atendimento para casos extremos, sem ser de fato chamado para participar da vida da escola.

"O debate político esvaziou. Não somos convocados para reuniões na escola. Acho que é porque não concordamos com algumas medidas, feito a expulsão compulsória", comenta Maria Aparecida Cordeiro Rosa, do Conselho Tutelar do Portão. Para ela, uma palavra-chave poderia resolver parte do problema: acolhimento, no que é apoiada por Elenize de Fátima Borm, do Conselho Tutelar do Bairro Novo. "O vai-e-volta à escola acaba em evasão. Sabemos que alguns diretores e professores trabalham pesado para evitar o problema, vão à casa dos alunos. Mas ainda não é uma atitude comum."

No corpo-a-corpo com as famílias, são diárias as queixas contra a intolerância de algumas escolas com atitudes ora comuns, ora sinalizadoras de que algo não vai bem com a criança. "Muitas vezes, uma indisciplina indica que o aluno está sendo abusado. Tem de investigar", comenta Jussara.

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