• Carregando...

Num mundo perfeito, qualquer curitibano desenharia num guardanapo de papel os caminhos que levam às ruas Flávio Dallegrave, Cecília Meireles ou Euclides Bandeira. Mas esses trechos – todos integrados à ciclovia – estão a quilômetros de popularidade do trio Visconde de Guarapuava, Silva Jardim e Sete de Setembro. É fato. Os 160 quilômetros da malha urbana – 60 deles em estágio de recauchutagem – destinados com exclusividade a ciclistas, esportistas e, por força das circunstâncias, carrinheiros, não são propriamente campeões de audiência, embora integrem a propaganda que Curitiba faz de si mesma.

A prefeitura estima que nos fins de semana com sol, 18 mil pessoas utilizem a rede, algo próximo de 1% da população. Nos dias de batente esse número cai para 15 mil usuários, uma performance tímida para a cidade que concentra mais de 50% das ciclovias brasileiras. Não é por falta de méritos que essa conta não fecha. Durante três dias, num total de 22 horas, a reportagem da Gazeta do Povo percorreu de bicicleta os 100 quilômetros oficiais da ciclovia e identificou uma dezena de pontos dignos de cartão-postal e outros nem tanto. Mesmo assim, os ciclistas não comparecem em massa a esses espaços.

O Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), responsável pela implantação das ciclovias a partir de 1980, pretende promover, ainda este ano, uma pesquisa sobre o perfil dos ciclistas locais. Os dados são uma exigência para levar adiante o Plano de Mobilidade Urbana de Curitiba e Região Metropolitana, financiado pelo Banco Interamericano de Desevolvimento (BID). Já não era sem tempo. De antemão, sabe-se que as vias curitibanas surgiram para ligar um parque a outro – o que explica muita coisa. Dessa natureza nasceu o hábito de utilizá-las mais como espaço de lazer e menos como alternativa para ir ao trabalho, dando um quinhão para conter o congestionamento e a poluição.

É uma justificativa – mas não a única. O fetiche do automóvel, o medo da violência das ruas, o clima nada camarada de Curitiba e a parcela de dor exigida para desfrutar das delícias de uma ciclovia concorrem para a ociosidade de uma centena de quilômetros que podem ser muito mais agradáveis que a solidão de um automóvel. Por dor entenda-se a mão-de-obra que é subir e descer das áreas partilhadas – calçada e via de bicicletas juntas –, com folga o ponto fraco do modelo de ciclovia aplicado na capital e o mais comum em bairros afastados, onde mora gente que depende de ônibus. Com exceção de parte da rede da Avenida João Bettega (Portão/Fazendinha/CIC), Av. Mariano Torres (Centro) e Amintas de Barros (Centro/Prado Velho), onde tem calçada para todo mundo, o formato "conjugado quarto e sala" é um atropelo. Além da bicicleta e do pedestre (com cachorro?), arrisca o espaço ser dividido com a estação-tubo, o ponto, a banca de revistas e o carrinho de dolé.

Em trechos como o da Avenida Brasília e da Rua Francisco Derosso (Novo Mundo/Xaxim), atualmente em revisão, a convivência não só é impossível, como também insuportável até para alguém que vive em Tóquio. A ciclovia tem a largura de uma bicicleta. E a quantidade de gente na calçada lembra os bons tempos da Rua XV. Não por menos centenas de curitibanos teimam e fazem das canaletas do biarticulado e das avenidas ciclovias à força, mesmo ao preço de 30 acidentes por mês envolvendo carros e bicicletas, segundo a Polícia Militar.

Para o engenheiro Cléver Ubiratan Teixeira de Almeida, assessor de Projetos Especiais do Ippuc, apesar dos pesares as ciclovias em cima das calçadas não vão ser aposentadas. "Jamais haverá uma rede que dê conta de tantas ligações necessárias a uma cidade. A convivência entre pedestres e ciclistas têm de ser estimulada. Isolar o ciclista não resolve; ao contrário, diminui as possibilidades."

Em trechos partilhados, feito o da Sete de Setembro e da Getúlio Vargas – nas quais tudo corre na mais perfeita ordem, a profecia até se realiza. Mas ali, a malha tem a função de praça, tanto quanto os trechos cinematográficos do Hugo Lange/Cristo Rei ou do Parque São Lourenço. Já quem mora no Capão Raso e tem de escalar a bem-sinalizada, porém maltratada, Rua João Rodrigues Pinheiro não está de graça. Ali e acolá, a ciclovia ainda não inventou a roda.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]