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Sem cerimônia: em 17 minutos quatro corpos são enterrados | Adriano Ribeiro
Sem cerimônia: em 17 minutos quatro corpos são enterrados| Foto: Adriano Ribeiro

Caminho dos desconhecidos: Origem incerta, destino certo

Conhecer a história das pessoas que são enterradas como indigentes é difícil, mas pode-se traçar um perfil: a maioria dos desconhecidos é de jovens, entre 18 e 25 anos, que morreram de forma violenta, vítimas, em muitos casos, de algum tipo de envolvimento com o tráfico de drogas.

Quando esses corpos não identificados chegam ao IML, eles são encaminhados para o setor de necropapiloscopia para a retirada de impressões digitais – no Instituto de Identificação, consegue-se descobrir a identidade de cerca de 20%. Também são coletadas amostras de sangue para uma eventual identificação posterior por DNA.

Depois de permanecer de 20 a 30 dias no IML, os corpos não identificados são, então, encaminhados para um dos quatro cemitérios municipais de Curitiba (Santa Cândida, São Francisco de Paula, Água Verde e Boqueirão) ou para o cemitério particular Parque São Pedro, onde a prefeitura possui uma área reservada aos não identificados. O destino final dos indigentes é o ossário do cemitério, para onde são encaminhados os ossos das vítimas depois que se passam três anos do sepultamento. Nesse local, origens e lembranças perdem-se para sempre, como se nunca tivessem existido.

Curitiba. Cemitério Municipal Santa Cândida. O enterro marcado para começar às 9h30 atrasa mais de uma hora. Não há muito movimento no local e o clima é sereno, mas o céu está cinzento e aponta um princípio de chuva, parecendo querer mostrar que aquele é um dia de tristeza: no mesmo lugar e em uma mesma cerimônia, quatro pessoas serão sepultadas.

As duas vans que carregam os corpos entram no cemitério às 10h50. Apenas os funcionários do local aguardam a chegada do veículo da funerária. Os corpos são de pessoas que não morreram juntas, não têm parentesco uma com outra, mas estão unidas por um fator em comum: nenhuma delas tem identificação. São homens e mulheres que morreram em hospitais e vias públicas e não carregavam nenhum documento que pudesse dar informações sobre quem elas são. Quando nenhum familiar aparece para reconhecer as vítimas e reclamar os corpos, acabam enterradas como indigentes.

Com a ajuda dos funcionários, os quatro caixões são retirados das vans e deixados em frente do bloco 8 do gaveteiro do cemitério. Depois de apenas sete minutos, os trabalhadores da funerária deixam o local. Sete pessoas trabalham no sepultamento. Os caixões são colocados nas gavetas, um trabalhador prepara a argamassa e coloca quatro tijolos na base do compartimento. Um pouco mais de massa e a tampa já pode ser colocada. Simples e rápido.

Para os desconhecidos, não existe qualquer tipo de homenagem. Do local de morte, vão para o Instituto Médico-Legal (IML). Depois de cerca de um mês sem serem identificados, partem direto para o cemitério. Nenhum velório é organizado. Os sepultamentos não duram muito tempo, afinal outros serviços precisam ser realizados e as funerárias não recebem nada para transportar os mortos não identificados.

Não há lágrimas, não há discurso e ninguém traz flores ou esboça uma oração. Neste dia, o papo, na realidade, é sobre o almoço que se aproxima. "Todo mundo trouxe marmita?", pergunta um dos funcionários. Quando outro, mais experiente, erra ao posicionar um dos tijolos na gaveta, surgem as brincadeiras. "Já está muito velho. Daqui a pouco te coloco aí dentro (na gaveta)", diz um companheiro de trabalho.

Em 17 minutos, os quatro corpos estão sepultados. O grupo de trabalhadores parte para o almoço às 11h14 e o que resta para os indigentes são apenas os números colados na tampa das quatro gavetas: 103849, 103850, 103851 e 103852. A partir daquele mo­­mento, os desconhecidos se resumem a esses algarismos.

Mais desconhecidos

Todo esse processo frio e impessoal já se repetiu 57 vezes este ano, de acordo com dados do Serviço Funerário Municipal, em Curitiba. Já são quase 20 desconhecidos enterrados por mês, índice que supera o registrado em 2009, quando a média mensal era de 13, totalizando 156 ao longo de todo o ano. Os números do ano passado, por sua vez, já representavam um aumento de 34% em relação a 2008, em que 116 corpos de desconhecidos foram sepultados.

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