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Escândalo na província

Historiadores tentam recontar a história da prostituição em Londrina. Passeata de mulheres com a cabeça raspada é confirmada por estudioso

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Os únicos dois mil exemplares do livro Escândalos da Província foram vendidos em apenas uma semana. Logo depois, o autor, o jornalista Edson Mas­chio, acabou exilado de Lon­drina em 1959 por causa da repercussão que a obra teve na época. O livro tratava das prostitutas e do envolvimento delas com a sociedade – um tema que até hoje poucos têm coragem de enfrentar.

Os relatos que apareciam no livro acabaram ganhando fama de "ficção" e apenas um historiador bate o martelo para dizer que o fato mais polêmico do livro, a passeata das prostitutas carecas de Londrina, efetivamente aconteceu. Paulo de Tarso Gonçalves pesquisou o assunto durante seu mestrado e encontrou jornais da época que narraram o acontecimento. Da versão do jornal à do livro de Maschio, a passeata muda um pouco de perfil, mas acaba tendo os mesmos traços básicos: assim como hoje, as prostitutas eram maltratadas por alguns policiais e tinham de pagar propina para poder permanecer em seus pontos.

Maschio chamar seu livro de "romance histórico", pois escreveu baseado naquilo que os habitantes mais antigos da cidade contavam, mas que nunca foi provado na prática. Na versão dele, havia um juiz em Londrina que não gostava das prostitutas e resolveu, então, dar carta branca ao delegado para prender algumas moças da noite e ridicularizá-las em público com o objetivo de mostrar que a polícia queria moralizar a cidade. Os policiais saíram e prenderam algumas meretrizes que estariam fazendo "baderna" em um bar. Levaram o grupo para a delegacia, rasparam a cabeça delas e fizeram as moças carecas andarem pelas ruas com um cartaz que dizia: "Somos prostitutas, vergonha da cidade."

Já na versão da imprensa, dois jornalistas teriam encabeçado a passeata, eles mesmos teriam raspado a cabeça das moças, com o consentimento delas, e saíram pelas ruas denunciando os policiais que não as respeitavam. "Eram jornais sensacionalistas da época que descreveram o episódio. Por isso há os que dizem que esta imprensa se engajou na notícia porque queria derrubar o delegado, que era muito truculento. Esses jornalistas simplesmente poderiam ter inventado a história para fazer sua própria política", afirma o historiador Gonçalves. Dias depois da passeata, Gonçalves diz ter encontrado na imprensa que o tal delegado teria sido destituído do cargo. "Não caiu somente ele, mas toda a cúpula da polícia civil na época." A passeata teria ocorrido no ano de 1948.

O historiador Edson Holtz Leme, autor do livro Noites ilícitas: histórias e memórias da prostituição, diz ter ouvido falar muito da passeata, mas nunca encontrou um documento que comprovasse o caso. Ele lembra, porém, que raspar a cabeça das mulheres era um ato comum na época, pois atrapalhava o trabalho das meretrizes que dependiam da estética. "Este ato que narram ter acontecido em Londrina pode estar associado ao fato de que, nesta época, algumas moças francesas, que teriam dormido com soldados alemães, lá na França, tiveram a cabeça raspada para serem ridicularizadas. Eram facilmente identificadas e consideradas traidoras. Havia ainda maridos ciumentos, no mundo inteiro, que também usavam esta prática para fazer com que suas mulheres não saíssem de casa", explica Leme.

Cafetinas

Laura, Selma e Gaby eram alguns dos nomes mais conhecidos de Londrina. Elas eram as cafetinas de luxo e as responsáveis por levar à cidade, todos os fins de semana, um novo grupo de moças para en­­treter a elite londrinense. Gonçal­ves lembra que chegavam ao município aviões que traziam as moças de programa. Tam­bém havia aquelas que chegavam de ônibus. Normalmente elas vinham de São Paulo e do Rio de Janeiro.

Por volta das 17 horas de sexta-feira, segundo Leme, alguns escritórios de Londrina ficavam vazios porque os rapazes iam até o aeroporto para ver as mulheres novas que chegavam à cidade. "Era uma prévia do que iria acontecer à noite. Estas moças ficavam em Londrina apenas durante o fim de semana e, dizem, voltavam para a cidade natal com os bolsos cheios de dinheiro", afirma Leme.

Como boa parte das ruas de Londrina era de terra – pelo menos as que chegavam ao prostíbulo –, as meretrizes usavam charretes para se locomover. Isso fez com que este meio de transporte ficasse estigmatizado na região: as outras mulheres não queriam usar as charretes porque a cidade associava o meio de locomoção à "vida fácil".

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