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Samuel Faustino Romero Sanches Filho, no galpão londrinense em que os apetrechos da lavoura cafeeira são mantidos intactos: não tem como falar do Norte do PR sem remeter aos tempos áureos do café. | Fotos: Lineu Filho/Gazeta do Povo
Samuel Faustino Romero Sanches Filho, no galpão londrinense em que os apetrechos da lavoura cafeeira são mantidos intactos: não tem como falar do Norte do PR sem remeter aos tempos áureos do café.| Foto: Fotos: Lineu Filho/Gazeta do Povo

O ouro verde virou cinzas da noite para o dia. Um cheiro forte de café torrado tomou conta de toda Região Norte do Paraná. A Geada Negra não poupou ninguém e a manhã de 18 de julho de 1975 mudou para sempre a história do estado. As alterações na formação urbana e econômica são duas das marcas que permanecem quatro décadas após um dos maiores golpes sofridos nas lavouras paranaenses.

Veja vídeo com depoimentos sobre a geada negra

Geada negra

A Geada Negra recebe esse nome porque queima as plantas por dentro, deixando-as com aparência escura. A baixa temperatura e o vento intenso causam o rápido congelamento da seiva. “O vento frio colabora para que a geada seja bastante intensa. Foi o caso. Uma geada como a de 1975 aniquilou toda a produção de café. Nesse caso, seria preciso esperar três anos até o café se recuperar. Quando ocorre uma geada dessas, o tronco queima até o nível solo. Mas depois o café brota”, explica o agrônomo Irineu Pozzobon.

A soja assumiu a dianteira do mercado agrícola e a população rural teve uma redução de 60% em 40 anos – passando de 4,5 milhões de pessoas para 1,5 milhão. Cerca de 300 mil famílias de trabalhadores ficaram sem emprego. O prejuízo chegaria a 600 milhões de cruzeiros – na época esse valor equivalia a 75 milhões de dólares –, apenas nas lavouras de café.

“Ninguém gosta de lembrar muito, não. Foi difícil para nossa região essa Geada Negra. A principal atividade agrícola era o café”, conta Samuel Faustino Romero Sanches Filho, que tinha 18 anos quando viu a cultura cafeeira iniciada ainda por seu avô, na década de 1940, ser completamente dizimada.

Um século de cafezais

“Paraná do café” tem início em meados do século 19, no chamado “Norte Pioneiro”, estendendo-se até 1975, ano da Geada Negra que devassou cafezais

1860 – Primeiros registros do plantio do café no Paraná , então uma extensão da zona cafeeira paulista.

Década de 1920 – Norte Pioneiro se integra à economia paranaense. Porto de Paranaguá vai exportar 30 mil sacas.

1927 – Companhia de Terras Norte do Paraná compra meio milhão de alqueires e a revende a pequenos e médios agricultores. Região chegará a 26 mil lotes rurais.

Década de 1950 – População paranaense ultrapassa 2 milhões de habitantes. Apenas no Norte do Paraná, 100 mil famílias serão fixadas. Café ultrapassa a extração de madeira e o mate.

Década de 1960 – Modelo de concentração cafeeira começa a dar sinais de esgotamento – soja ganha espaço. Aumentam migrações para a cidade – capital passa de 300 mil para 600 mil habitantes.

17 de julho de 1975 – Neva em Curitiba. Jornais destacam a paisagem europeia da capital.

18 de julho de 1975 – Em Londrina, termômetros marcam -3,2° C. Geada Negra era um fato. Produção de café será reduzida a zero.

19 de julho de 1975 – Governador do Paraná, Jayme Canet Jr., decreta o fim da cafeicultura no Paraná. Êxodo do campo para a cidade vai atingir 2,5 milhões de pessoas no estado, durante aquela década. Perto de 300 mil lavradores ficam sem emprego

1976 – Início do Plano de Revigoramento dos Cafezais, com plantio de 130 milhões de novas covas e mais 50 milhões no ano seguinte, mas cultura não se recupera.

Ipardes; No tempo do Canet, (2015); Dennison de Oliveira (2001).

Ao olhar pela janela da fazenda em que morava, em Londrina, no Norte Novo, Samuel teve a ingrata surpresa de ver o chão todo coberto de gelo. “Com o passar do dia, a cor foi mudando e dois dias após foi sofrido ver a lavoura toda seca, queimada”. Estima-se que o frio alcançou a marca de 3,5° C negativos, no abrigo. Mais de 850 milhões de pés de café foram queimados – 80 mil na lavoura da família de Samuel.

Ao pisar no campo para conferir o prejuízo, o solo ruía tal qual um gelo rachando. Ao ver a situação dos pés de café, alguns trabalhadores e proprietários não seguraram as lágrimas. O desespero era inevitável. A cultura do café nunca mais se recuperaria de tamanho baque. Para quem plantava, era como ter a casa devastada.

Sem trabalho e sem renda, muitos produtores e trabalhadores rurais se viram com uma interrogação pairando sobre o futuro. O agricultor, também de Londrina, Antonio José Frangovic, hoje com 73 anos, lembra o desânimo que se abateu sobre a população. “Muitos foram embora para outros estados e cidades. Foram tentar a vida no comércio ou em outras culturas agrícolas”, conta. Além disso, a frustração provocada pela Geada Negra foi gigantesca. “Atrás dela veio muita fome, muita disputa, briga e discórdia”, relata.

O êxodo

Com base em dados censitários do IBGE, observa-se que somente durante a década de 1970, cerca de 1,2 milhão de pessoas deixaram o campo no Paraná. A Geada Negra acelerou o processo de êxodo rural – que vinha se desenhando desde a década de 1960.

Embora, o principal destino dessas pessoas tenha sido Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Rondônia e o atual território do Tocantins, muitas foram tentar a vida nas áreas urbanas dentro do Paraná. Fato que implicou uma reconfiguração das cidades do estado. Curitiba, por exemplo.

“A maioria das cidades sofreu com um crescimento, muitas vezes desordenado, devido ao afluxo dos antigos trabalhadores ou colonos das fazendas. Muitos se tornaram volantes ou boias-frias”, explica o historiador e professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Roberto Bondarik. Segundo ele, cerca de 80 mil pequenas propriedades deixaram de existir no Paraná entre 1975 e 1985.

Quarenta anos depois, a zona cafeeira do norte do estado ainda sente a falta do café. Mas não há mais remédio. Como diz o agricultor Samuel Sanches Filho, que logo após a geada se dedicou ao plantio exclusivo de soja, todos teriam que conviver com aquilo para sempre. “Não tinha outro jeito a não ser se restabelecer e procurar novos horizontes”.

* Colaborou José Carlos Fernandes

  • Samuel Faustino Romero Sanches Filho, que tinha 18 anos quando viu a cultura cafeeira da sua família ser dizimada
  • Detalhe das primeiras máquinas de classificação e padronização d e café de Londrina, que começaram a funcionar em meados da década de 60 e estão nas dependências da Cooperativa Integrada.
  • Imprensa de todo o Brasil e estado repercutiu a geada negra.
  • Imprensa de todo o Brasil e estado repercutiu a geada negra.
  • Imprensa de todo o Brasil e estado repercutiu a geada negra.
  • Imprensa de todo o Brasil e estado repercutiu a geada negra.
  • Antonio José Frangovic lembra com tristeza a perda do cafezal de sua família.
  • Imagem da propriedade de Antonio no ano seguinte à geada. Em 1976, a família já voltou a plantar café.
  • Antonio diz que a perda da safra trouxe muita fome e discórdia na região.
  • Para o engenheiro agrônomo Irineu Pozzobon, que trabalhou no extinto Instituto Brasileiro do Café (IBC), o ciclo predominante do café iria terminar uma hora ou outra.
  • Armando Shigueoka não se abateu pela geada e mantém viva a tradição iniciada pelo seu avô.
  • Segundo Armando, o cafeicultor não pode desistir do cultivo do café por causa de uma geada.
  • Amostras do café sendo processado.
  • Imagens de sacas de café na Cooperativa Integrada.
  • Samuel ao lado das primeiras máquinas de classificação e padronização d café de Londrina.

Os 40 anos da geada que devastou o Paraná

Em 1975, a geada negra destruiu com a cultura do café no Norte do estado e mudou a configuração urbana e econômica do Paraná.

+ VÍDEOS

As etapas do processo

O plantio é feito normalmente em setembro, após três anos ele terá se desenvolvido e os grãos poderão ser colhidos. Confira quais eram as estapas da produção do café na época, desde a lavoura até o porto:

Na lavoura
Na sede da fazenda
No porto

Colheita

Acontecia de maio a agosto e era feita pela derriça, que significa o tomba-mento do café no chão após correr a mão de cima para baixo no galho. Os grãos (secos e, por isso, de cor marrom, ou vermelhos, os mais maduros) caíam no solo e depois com um rastelo eram recolhidos e colocados em uma peneira grande de madeira. Nessa peneira ia o café, mas também a terra e as folhas. Por isso era feita a abanação. Em algu-mas fazendas eram usados lençóis embaixo dos pés de café para deixar a colheita mais limpa e prática.

Abanação

O café na peneira precisa ser limpo, por isso os colonos o jogavam para cima, com força, fazendo os grãos chegarem a quase um metro no ar (era necessário habilidade para fazer isso). As folhas saíam com o vento e o café, agora mais limpo, ficava na peneira. Depois os grãos iam em balaios até o terreiro ou em carrinhos pequenos de madeira.

Secagem

Os grãos colhidos iam para o terreiro para secar por completo e ficavam ali por cerca de 15 dias. Eles eram revolvidos durante o dia e, à noite, ficavam em montes de até 30 sacas para serem cobertos por lonas e, assim, evitar a umidade e as chuvas. No dia seguinte, os grãos eram espalhados novamente. Em poucas fazendas, antigamente, lavava-se o café antes da secagem.

Depósito

Depois de seco, os grãos eram colocados em sacas de até 100 litros ou 40 quilos e jogados em uma tulha para depósito. Algumas fazendas (só as maiores) tiveram máquinas para fazer o beneficiamento do café, o que significa tirar ou raspar a casca para que o grão saia limpo e pronto para comercialização. Como a máquina era cara, porém, os pequenos proprietários enviavam os grãos secos para a cidade onde o beneficiamento era feito.

Transporte

O café no Paraná era transportado em pequenos caminhões até o Porto de Paranaguá. Uma parte da produção também ia ao Porto de Santos e lá, o café produzido em terras paranaenses chegou a ser vendido como café paulista. O café transportado em mulas só existiu até meados de 1850, ainda durante o período do Império.

Seleção

O Instituto Brasileiro do Café (IBC), que existiu no Brasil até 1990, tam-bém recebia sacas de café para a venda, principalmente do tipo ex-porta--ção. Ali, o café era classificado de 2 a 7 (2 é o mais puro e 7 o de pior qualidade). No Paraná, e no Brasil como um todo, as colheitas resulta-vam em cafés do tipo 5 a 7, a nota variava conforme a limpeza e ainda se o grão estava inteiro ou quebrado. O IBC regulava o mercado não ofere-cendo toda a produção de uma vez só, para evitar a queda dos preços. O Paraná teve dois tipos de café: o sumatra e o mundo novo.

Fonte: Redação. Infografia: Leandro Santos e Lyn Jannuzzi/Gazeta do Povo.

Como era a fazenda

Clique nos pontos abaixo e veja como era a estrutura de uma fazenda de café:

Fontes: Redação. Infografia: Gazeta do Povo.
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