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Nasci depois da geada, em Apucarana, onde meu avô paterno, Anísio Justino da Silva, morava em um prédio em frente ao terminal de ônibus, pleno centro da cidade. Aos fundos, reinava um pé de café de mais de três metros de altura, que avançava por quase toda a largura do terreno. Brincávamos pouco entre suas folhagens. Os galhos do café não são elementos simpáticos: é preciso invadi-lo meticulosa e cuidadosamente para sacar seus frutos.

O mais longo de todos os invernos

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Quando virei adulto, aquele momento de transição em que o menino começa a conhecer melhor seu pai, na redação desta Gazeta do Povo, em Curitiba, uma reportagem me leva a pesquisar a neve de 1975. Nas edições posteriores, a tragédia daquele tipo de geada que não embeleza, mas que congela a seiva: tudo estava morto. Tudo estava para renascer.

À época meu pai convenceu meu avô a vender seu sítio, mudar-se para a área urbana, e ali fez algumas salas comerciais para sua aposentadoria. Havia saído de Sousa, na Paraíba, passado pela cavalaria no Rio de Janeiro, depois plantado no interior paulista até chegar ao Paraná. Cuidava daquele gigante no fundo de casa, aguardava o amadurecimento dos frutos, secava-os cuidadosamente sobre uma lona, torrava, moía e bebíamos tudo aquilo. Tudo tinha seu lugar.

Quando meu documentário Geada Negra é exibido, as lembranças me chegam, pelos seus espectadores, acompanhadas de lágrimas e da surpresa pelo desconhecimento da dimensão da transformação que aquilo causara. Em suas próprias vidas. No caminho que fazemos ao caminhar. E não é que renascemos? Talvez seja essa nossa sina.

* Adriano Justino é jornalista e diretor do documentário Geada Negra. Saiba mais sobre o projeto.

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