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Sonho de consumo leva adolescentes de Camboriú à exploração sexual em Balneário Camboriú | Jonathan Campos
Sonho de consumo leva adolescentes de Camboriú à exploração sexual em Balneário Camboriú| Foto: Jonathan Campos

A alvorada ainda demora quando a mulher sacode a menina metida em lençóis puídos sobre a cama improvisada de espuma encardida. "Está na hora", anuncia em tom grave. O corpo mirrado se contrai, por instinto, e a mão pesada o chacoalha com mais força. Ela se levanta, sonolenta. Sem ter o que pôr no estômago, sai em jejum forçado. É preciso apertar o passo para vencer os seis quilômetros a pé, de modo a chegar até as 6h30, antes que a vejam entrando naquele lugar imundo. Não gosta do que tem de fazer, mas não há outro jeito. Tem 11 anos, e isso que fazem com ela é um crime. Um crime inafiançável.

Passa das 7 quando ela avista a auto-elétrica, o vaivém de gente e carros na rua, os muitos olhos que a podem ver. É vítima, mas precisa calar. Aproxima-se de um orelhão, gira a cabeça para checar se ninguém a espreita. Não percebe do outro lado da rua a câmera indiscreta que, camuflada, registra seus passos indecisos. O homem que ajusta o foco sente eriçarem os pêlos ao captar tamanha angústia. Nervosa, ela encosta-se no orelhão, bate seguidamente o nó dos dedos na estrutura de fibra. Pesa os riscos de entrar na oficina fora da hora combinada e, de outro lado, as consequências de voltar para casa sem o dinheiro. Difícil decisão.

A angústia cresce. Imersa num torvelinho de pensamentos, ela dá três passos, olha para os lados e para. Dá outra olhada ao redor, esgueira-se nas encostas do muro e segue, passa por entre os carros estacionados até a porta da construção de madeira. O cinegrafista ajusta o zoom, de modo a ver o homem que, no interior da oficina, espera pela menina. Ela olha com insistência pela porta, preocupada. Sentado, ele a chama. Ela dá a volta na mesa, recebe um beijo; volta em seguida para o outro lado e permanece de pé. O homem lhe entrega uma nota de 20 reais. Está tarde para o que costumam fazer, por isso ela sai depois de outro beijo.

O homem detrás da câmera cerra os punhos num sentimento ambíguo de indignação e euforia. Doze anos na Polícia ensinaram a Manoel Mafra o valor da prova para materializar um crime. Cabia a ele, diretor do Núcleo de Prevenção às Drogas e à Pedofilia de Camboriú, produzir essas provas. A menina perambulava muito cedo pelas ruas, todos os dias no mesmo horário, perto da auto-elétrica. Quem denunciou deu nome e endereço. Manoel foi lá. Durante a conversa, a menina ensaiou um choro, mas nada falou. Manoel soube ler os sinais. Ela precisava chegar cedo porque o homem tinha esposa e filhos, e o que fazia era comprometedor e ilegal.

O ex-policial passou a fazer campana em frente da oficina. Deu sorte. No segundo dia, ela apareceu, embora atrasada. Ele fez o registro com a filmadora portátil. Descobriu, ainda, que a irmã de 15 anos também frequentava a oficina. A mãe mandava as filhas para arrancar dinheiro do "velho bobo que gosta de menina nova", e gastava em crack tudo o que elas conseguiam. E não tinha o menor pudor de consumir a droga na frente das filhas, junto com o marido.

As provas produzidas pelo conselheiro tutelar levaram para a prisão o empresário, a mãe e o pai da menina, pelo crime de exploração sexual comercial. O flagrante se deu em 2009, mas esse drama familiar está longe de acabar. Livres da prisão, os pais e voltaram para as drogas. Mandada para adoção, a menina pensou ter encontrado uma boa família, mas logo foi devolvida. Voltou para o abrigo, sob o trauma da nova rejeição. Continua à espera de quem a aceite com o passado que não escolheu.

Manoel já havia usado a tecnologia para produzir provas capazes de levar à prisão um homem de Bal­­neário Camboriú que explorava meninas da vizinha Camboriú. Recebeu denúncia sobre movimentação de adolescentes num apartamento térreo, com a porta de frente para a rua. Ele ficou de campana uma semana inteira, em horários alternados, até conseguir o flagrante. Identificou seis meninas, todas do Morro da Caixa, lugar pobre de Camboriú. Com o homem, encontrou revistas pornográficas, pênis de borracha e fotos das meninas. Elas haviam ganhado 80 reais, que seriam gastos no shopping. O explorador comprava o silêncio das famílias dando móveis e eletrodomésticos.

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