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A possibilidade de redução da idade para 18 anos para a realização de esterilização voluntária – vasectomia ou laqueadura – pode gerar impactos negativos na demografia brasileira, prejudicar os recursos para a previdência, além fomentar uma sociedade mais individualista. O Supremo Tribunal Federal (STF) retomará, nesta quarta-feira (12), o julgamento de uma ação que pode estabelecer apenas a maioridade civil como requisito para esses procedimentos.
Em 2022, o Congresso Nacional aprovou uma lei que reduziu a idade mínima para a esterilização voluntária de 25 para 21 anos ou para quem já tivesse ao menos dois filhos. Outra mudança significativa do Legislativo foi a retirada da exigência de consentimento expresso de ambos os cônjuges, o que causou críticas de juristas de Direito de Família.
André Gonçalves, jurista e doutor em Filosofia pela Unicamp, alerta que as políticas brasileiras ainda estão aquém no fomento à natalidade. “Há um desequilíbrio na atuação governamental muito em favor do aspecto anticonceptivo ou antifamiliar do que no sentido favorável à concepção ou do mínimo de uma reprodutibilidade geracional para garantir, por exemplo, o sustento previdenciário”, enfatiza.
As despesas com a Previdência Social são um dos principais fatores que contribuem para o déficit fiscal do país. Parte das mudanças da reforma de 2019 começaram a valer no último mês de janeiro, mas as projeções indicam a necessidade de uma nova reforma até 2027. O envelhecimento populacional e o aumento da expectativa de vida ampliam o número de beneficiários do sistema e pressionam ainda mais as contas da seguridade social.
Reversão é possível, mas envolve riscos e baixas chances de sucesso
Depois da mudança realizada pelo Congresso Nacional, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) apresentou uma nova petição para que qualquer pessoa plenamente capaz tenha o direito à esterilização voluntária, sem restrição de idade a não ser a maioridade civil, independentemente do número de filhos. O pedido foi feito dentro da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) aberta pelo próprio partido em 2018.
Os dois procedimentos são métodos contraceptivos cirúrgicos. A laqueadura, realizada em mulheres, impede a passagem do óvulo ao cortar ou obstruir as trompas uterinas. No caso da vasectomia, o objetivo é semelhante, já que os canais de transporte dos espermatozoides também são obstruídos.
Em caso de arrependimento, é possível realizar uma nova cirurgia para reversão, que nem sempre é bem-sucedida. As chances de sucesso dependem especialmente do intervalo de tempo entre a cirurgia de esterilização e a reversão, além da idade do paciente. No caso das mulheres, há riscos como a gravidez ectópica – quando o embrião se desenvolve fora do local adequado no útero.
O pedido do PSB argumenta que o Estado não pode impor a constituição de uma família ou estabelecer um número mínimo de filhos. Alessandro Chiarottino, professor de Direito Constitucional e doutor em Direito pela USP, avalia que a redução dos critérios não é inconstitucional, mas exige cautela. “É preciso que isso venha acompanhado de um devido esclarecimento, como as dificuldades existentes para a reversão do procedimento. O que não poderia é isso ser uma política de incentivo sem que haja um adequado esclarecimento dos custos financeiros e médicos”, analisa.
Esterilização precoce pode agravar desafios demográficos no Brasil
Medidas como essas também geram impactos negativos nos desafios demográficos para o Brasil nas próximas décadas. Rodolfo Canônico, diretor-executivo do Family Talks, organização que incentiva políticas púbicas familiares, aponta que a redução da idade para esterilização cria uma tensão entre a autonomia individual no planejamento familiar e a realidade de declínio populacional e baixa taxa de natalidade. “No Brasil, a taxa de natalidade é de apenas 1,6 filhos por mulher. Isso significa que, se não houver mudanças nesse cenário, a população brasileira vai diminuir ao longo do século 21 e vai envelhecer rapidamente”, ressalta Canônico.
O especialista destaca que países com governos de diferentes espectros políticos – como a conservadora Hungria, a China comunista e o governo liberal da França –adotaram políticas públicas na tentativa de incentivar as famílias a terem filhos e reverter o declínio populacional. No entanto, o Brasil vai no sentido oposto a esse movimento internacional ao promover políticas contraceptivas – ou, no caso, esterilizantes – sem oferecer outras medidas de incentivo à maternidade ou fortalecimento das famílias.
“É importante deixar claro que não cabe ao governo, em nenhuma instância, determinar o que as famílias devem fazer ou não. A decisão de ter filhos ou não deve ser pautada na autonomia familiar. Ao Estado, cabe apenas oferecer suporte a escolhas que estejam alinhadas ao interesse público”, esclarece Canônico.
André Gonçalves acrescenta que a possibilidade de esterilização precoce irrestrita pode levar a uma transformação na concepção de família. “As pessoas passam a enxergar, sob certo aspecto, que é muito conveniente estar esterilizado para garantir uma vida mais individualista.” Ele alerta que essa mentalidade tende a fomentar um comportamento egoísta, tornando a sociedade menos aberta às necessidades dos outros.



