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A organização da principal facção criminosa paulista Primeiro Comando da Capital (PCC) pode ter sido um fator que contribuiu para a queda histórica na taxa de homicídios dolosos (com intensão de matar) do estado de São Paulo – 52 por 100 habitantes em 1999 para 8,7 por 100 mil atuais. Essa conclusão é parte da análise dos pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), Camila Nunes Dias, Marcelo Batista Nery e Sérgio Adorno, que estará entre outros artigos do livro “Pluralidade Urbana em São Paulo: Vulnerabilidade, Marginalidade e Ativismos Sociais”. O livro, da Editora 34, ainda não tem data de lançamento.

Para especialista, regulação de facção pode se repetir no Paraná

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Segundo Camila, que tem tese de doutorado sobre a expansão da facção, explicou que a hipótese já é consenso entre alguns pesquisadores. A socióloga ressaltou que a presença da facção em alguns bairros foi fundamental para bloquear o ciclo de violência.

“O PCC reivindica monopólio da violência. Onde ele atua passa haver uma norma, que chamam de disciplina. Qualquer conflito que ocorre no mundo do crime, a mediação é ele quem faz”, afirmou. De acordo com ela, os homicídios causados pelo tráfico de drogas de varejo, onde o traficante matava o devedor já não tem ocorrido com a mesma frequência em São Paulo. As vinganças entre criminosos também fazia parte da realidade de algumas localidades antes da expansão da facção.

“Até briga de casal, eles estão mediando”

Autor do livro Cobras e Lagartos (editora Objetiva), que contou história e detalhes do Primeiro Comando da Capital, em 2003, o jornalista Josmar Jozino acredita que a facção criminosa atuou de forma direta para regular os crimes contra vida na capital paulista. “Eles têm o monopólio total do crime. Até em briga de casal das comunidades eles estão mediando”, afirmou.

Segundo ele, o PCC tenta atuar com menos violência para melhorar os lucros e conseguir respaldo dos moradores das comunidades onde atua. “Eles impõem a lei e até fazem ações sociais, tudo para tentar se legitimar”, comentou.

O processo para chegar ao atual estágio, no entanto, passou pela guerra com outros grupos criminosos, sobretudo dentro dos presídios, onde as lideranças permanecem até hoje. “Os tribunais [do crime] sempre aconteceram dentro e fora do sistema”, disse.

Para combater o PCC, na avaliação dele, é necessário isolar todas as lideranças dentro das penitenciárias. “É tudo coordenado de dentro. A principal arma deles ainda é o telefone. Tem que isolá-los totalmente”, disse.

“Era uma dinâmica comum. Quando o PCC passa a exercer o controle, já não há mais esse homicídio direto. Quando há divida, ele faz a mediação. É bom lembrar que não são bonzinhos, mas eles criam mecanismos para que a divida seja paga e que evita homicídios”, ressaltou.

Apesar de parecer, a regulação feita pelo crime organizado não projetou apenas evitar visibilidade com menos violência. Há uma tentativa cada vez mais presente de se legitimar dentro das localidades pobres onde costumam atuar, uma espécie de necessidade de aprovação para convencer que sua atuação não fique marcada negativamente.

“Acho que tem essa questão instrumental [de perceber que com menos violência haverá menos presença policial nas regiões], mas também tem a questão politica. A facção busca dessa forma se justificar, se legitimar para a população que vive nestes locais e para os próprios bandidos, como instância que é capaz de fazer a regulação”, disse.

Análise

A análise dos pesquisadores levou em conta dois momentos distintos da capital paulista. O primeiro entre 1999 até 2004, quando as taxas eram muito altas. E outro período até 2010, quando começa a cair. A parte inicial da análise, segundo eles, mostra que naquele período coincide com o início da facção, quando há um esforço para dominar as localidades. Acabam guerreando com outros grupos. Forma-se um ciclo de vingança entre criminosos. Nos anos seguintes, a hegemonia parece começar e estabelecer, em algumas localidades, uma certa regulação.

Polêmica

A divulgação da taxa de homicídios de São Paulo foi carregada de polêmica no mês passado. É que a Secretaria de Segurança de São Paulo faz a ponderação sobre a taxa de homicídios com base em números de casos e não em total de vítima. Uma chacina de cinco pessoas, por exemplo, é contabilizada como um homicídio. A metodologia é usada desde 2008. Em fevereiro, a Secretaria da Segurança disse à Folha de São Paulo adotar critério internacionalmente reconhecido de número de ocorrências por 100 mil habitantes. O Paraná usa o número de vítimas para ponderar a taxa de homicídios, diferentemente, do estado vizinho.

“O dado foi interpretado por nós como um possível indício que mostra o PCC como um mediador. Não que ele elimina os homicídios, seria um regulador, sendo uma condicionante dos homicídios, mantendo as taxas constantemente baixas, mas em alguns momentos altas”, afirmou.

Nery ressaltou que essa análise foi feita com base em um fator. Na avaliação dele, há vários outros que podem ter contribuído para a queda da taxa, como o trabalho policial, por exemplo.

De acordo com ele, a pesquisa dividiu a cidade de São Paulo em regiões, estabeleceu um conjunto de indicadores que apontavam para presença do crime organizado e cruzou com as taxas de homicídios dolosos na cidade. O resultado mostrou em várias localidades coincidiu a presença do crime organizado com a queda de homicídios. Outros dois padrões também foram estabelecidos em localidades diferentes: onde não há assassinatos e não há presença de crime organizado, onde há taxas altas com presença dos criminosos.

Secretaria considera análise de pesquisadores “ridícula e preconceituosa”

A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo considera a análise feita pelos pesquisadores do NEV-USP uma hipótese “ridícula e preconceituosa”, que seria desmentida pela realidade de todos os índices criminais do estado. A pasta afirmou que a análise demonstra um “desconhecimento da realidade nacional”.

“Qualquer pesquisador com o mínimo de rigor epistemológico e metodológico sabe que propor uma relação de causa e efeito neste sentido é brigar contra as regras básicas da ciência”, afirmou o texto da nota enviado à reportagem.

A Secretaria informou que o aumento do efetivo policial militar e a distribuição dele por critérios técnicos, além do aprimoramento do policiamento preventivo territorial e a melhoria da eficácia das investigações da Polícia Civil de casos de homicídios são os principais fatores diferenciais do estado que explicam a queda nas taxas criminais.

Além disso, a nota enfatiza que as prisões dos responsáveis pelos crimes de homicídio também contribuíram para a queda histórica.

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