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Ninguém escapa. Quando o assunto é falta de educação em espaços coletivos, como ônibus, cinema e trânsito, não há quem não tenha uma história para contar. Existem inúmeros casos de tagarelas que atrapalham a exibição de filmes. Assim como aqueles "cidadãos" flagrados jogando lixo no chão na cara dura. E também é rotina centenas de pessoas amontoadas se atracando na saída e na entrada de estações-tubo. Embora não haja estudos aprofundados que corroborem com números tal percepção, quem reclama do outro eventualmente também se comporta mal.

Afinal, somos todos mal educados? "A sociedade como um todo está carente de valores éticos, e essa carência é geral, envolve a todos. Tanto o cidadão co­­­mum quanto as personalidades públicas e as instituições", analisa o professor de Filosofia da Edu­­­cação do Departamento de Edu­­cação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Gelson João Tesser. "Chegamos a uma era em que o mais importante é ter, é o objeto, em detrimento do ser, da subjetividade. O resultado é o que vemos nas ruas".

Esse individualismo exacerbado da sociedade também é citado como uma das fontes do mau comportamento pela antropóloga e professora do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Nízia Villaça. Para ela, a busca pelo prazer individual é a explicação para casos em que as pessoas parecem simplesmente não se importar se estão falando alto demais no ônibus ou constrangendo quem está por perto. "Há uma necessidade de acabar com qualquer entrave à realização dos desejos".

A tecnologia, inclusive, é vista pelos especialistas como instrumento que casualmente contribui para o desrespeito às boas maneiras. O professor da UFPR ressalta que a falta de contato real com os demais pode provocar a insensibilidade, que leva ao desrespeito às vagas preferenciais e ao silêncio de uma sala de cinema. A antropóloga reforça: "Houve uma substituição da cidade pela tela e os encontros nas esquinas e bares por contatos virtuais. O espaço público passa por um descrédito".

Para Tesser, a solução dos problemas passa por menos tempo conectado às redes sociais e por um resgate do papel das instituições, em particular da escola, que precisa rever o conceito de que ela deve se prestar apenas à transferência de conhecimento prático e à profissionalização. "Os pais certamente têm papel fundamental, mas a escola não pode negligenciar seu papel. Além disso, o exemplo das figuras públicas, especialmente dos políticos, é muito importante. Quem vai dar importância à ética com tantos exemplos de corrupção?", indaga.

Empurra-empurra no ônibus

"Ônibus é o local onde mais existe gente mal educada. Não adianta reclamar, pois é capaz de a gente apanhar. Tem quem ache que está na própria casa", brinca a atendente de loja Ruth Moreira. Entre as agruras de todo dia está a 'onda humana', um eufemismo para o empurra-empurra que faz qualquer um ir para lá e para cá ao sabor da multidão – eventualmente com algum cotovelo no rosto. Ter de ouvir aquele estilo musical que não é o seu predileto, mas que está tocando no celular do rapaz ao lado no mais alto som, e não dar passagem para quem desembarca também faz parte da rotina. "Sem contar os que não escovam os dentes pela manhã e estão com o desodorante vencido à tarde", dispara a promotora de venda Solange Amarildo. Entre outros top of mind da falta de educação no ônibus está o sujeito que não sabe ler "assento preferencial" – uma das mais terríveis – e, para o desgosto do gênero feminino, os "cavalheiros" que não se põem em seu lugar e são caso de polícia. "Já chegaram a me apalpar. Foi terrível", diz Ruth.

Os donos da rua

Quando atitudes deploráveis são o assunto, a categoria trânsito costuma ser a campeã de más lembranças. Descarregar os problemas na buzina, não reconhecer a cor vermelha do semáforo e estacionar numa vaga que seria de outro condutor à espera são algumas das indelicadezas. Contudo, a sensação é de que poucas situações superam os apressadinhos que não esperam nem mesmo o pedestre terminar de atravessar a faixa e já estão arrancando o veículo, fazendo com que o transeunte tenha de sair em disparada. "Tudo bem que o sinal abriu para ele, mas custa esperar? São alguns segundinhos, e ele está em vantagem em relação a mim, já que estou a pé!", reclama a estudante Kamille Duarte. Para rivalizar com os problemas encontrados no ônibus, existem ainda os motoristas que não entendem o sentido do termo "vagas para idosos" e demais espaços preferenciais. Isso sem falar daqueles que teimam em estacionar na frente de garagens, trancando a entrada e a saída de veículos.

Ambiente público, vida privada

Embora não sejam tão públicos assim, os espaços de convivência dentro de condomínios residenciais exigem dos moradores a mesma cautela e bom senso esperados de quem pega ônibus ou vai ao cinema. Imagine chegar cansado do trabalho e ouvir no elevador sobre as últimas aventuras amorosas de fulano, comentadas pela vizinha ao celular. Ou ainda, ter de participar involuntariamente, por causa do barulho, da festa de outro vizinho, de uma briga de casal ou do que está passando na tevê de outro apartamento altas horas da madrugada.

Uma dica: se o vizinho insistir com as indiscrições, nada de esmurrar a parede ou quebrar a vassoura de tanto empurrá-la contra o teto. "Eu tinha o costume de fazer isso, mas não adianta. Hoje, bato na porta e peço para diminuírem o som", diz o eletricista Paulo Diógenes Azevedo. Por fim, Azevedo aconselha: espaços coletivos são assim chamados porque são de todos – "simples, mas tem quem não entenda". Por isso, vale lembrar que é preciso negociar o uso da churrasqueira, não deixar lixo no corredor e carro estacionado em vaga que não é sua.

"Alô!? Oi, estou no cinema, mas pode falar."

Não adianta. Por mais que, no início de toda sessão, o telão anuncie que eles devem ser desligados durante o filme, os celulares estão lá, vibrando, cantando, gritando. "Ou a pessoa quer ver o filme, ou quer falar ao celular. Os dois, não dá!", critica o publicitário Sandro LaRui. Comentar sobre o figurino ou a atuação da atriz está liberado, contanto que não seja a cada dois minutos. "Irrita do mesmo jeito", diz LaRui.

E quem gosta de esticar os pés em direção à cadeira da frente e os braços para os lados como se estivesse em casa? Nesse caso, a recomendação é ir até a locadora mais próxima, afastar os móveis da sala e apertar o play do DVD. Para aqueles que curtem uma pipoca, um salgadinho, amendoim ou refrigerante enquanto o filme se desenrola, um aviso: aprecie as guloseimas com moderação, o que inclui não atrapalhar os demais com mordidas, mastigadas e o abre e fecha das embalagens. Claro, sem esquecer de jogar o lixo no local apropriado quando as luzes se acenderem.

Calçada da infâmia

Se é na rua que ocorre a maior parte das indelicadezas de todo dia, a calçada é um local (des)privilegiado para observá-las. Entre todas, a mais lembrada costuma ser o lixo jogado no chão. "Para mim, isso é o pior de tudo. Fico profundamente irritado. Acho ridículo", afirma o estudante de Engenharia Civil Marcos Gonçalves Júnior. Além da atitude condenável, recomenda-se evitar outras, como não estender aquela conversa no meio-fio enquanto o resto do mundo tenta seguir seu caminho.

Aos comerciantes que querem expandir o negócio, um conselho dos potenciais clientes que passam em frente ao estabelecimento: "Não existe nada mais irritante do que você passar em frente a uma loja e quase tropeçar em mesa, cadeira, cavalete. Calçada é para as pessoas passarem, não para amontoar o que deveria ficar do lado de dentro", diz a secretária Thaíse Peres. Para completar o rol das atitudes "infames", estão os apressados que não pensam duas vezes antes de atropelar um desconhecido e as brigas em praça pública, onde quem passa ao lado é obrigado a ouvir palavrões e até corre o risco de levar um sopapo por tabela. Nesses casos, o melhor é não se sentir em casa.

Interatividade O que fazer para resgatar as boas maneiras?Escreva paraleitor@gazetadopovo.com.brAs cartas selecionadas serão publicadas na Coluna do Leitor.

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