Que importância têm para o país os dados de quantas crianças em idade escolar que sofrem com alguma doença crônica, ou, ainda, ter um acompanhamento preciso de quantos homicídios são solucionados? A resposta parece óbvia para quem atua nesses setores, mas esses são apenas dois exemplos de estatísticas inexistentes no Brasil. Para especialistas, essas lacunas dificultam a formação de políticas públicas eficientes e não permitem que as ações existentes sejam avaliadas de forma precisa. Outro problema apontado é a imprecisão que pode haver nos levantamentos numéricos.
"Toda estatística tem falha. Sempre tem gente bem ou mal- intencionada que pode falsificar dados, seja para conseguir mais dinheiro para seu órgão burocrático ou para diminuir o problema", diz o doutor em Ciência Política pela Universidade de Chicago Alexandre Barros, especialista do Instituto Millenium. "Quantos presos existem no país? Ninguém sabe com certeza, pois os sistemas penitenciários estaduais não passam os números corretamente, para maquiar o problema ou para pedir mais verba. Tem estado que simplesmente não responde ao censo penitenciário."
Para o especialista, estatísticas como a de uso de crack no país "beiram a fantasia". O último levantamento concluído pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) mostra que, entre os mais de 50 mil estudantes de escolas públicas e privadas de todos os estados, 0,4% usou crack em 2004, o porcentual tinha sido de 0,7%. "É um dado irreal. Quantos fumam crack? Ninguém sabe. É igual ao tamanho da corrupção no nosso país. Os dados se perdem no caminho. Afinal, ninguém quer admitir que usa drogas", acredita Barros.
A professora de Sociologia e Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Samira Kauchakje, ressalta que a produção de indicadores é fundamental para processos decisórios que culminam na elaboração de políticas públicas. "Desde o pensamento de um novo projeto, passando pela sua elaboração, acompanhamento e avaliação de resultados, tudo depende de dados quantitativos e qualitativos. Os indicadores são medidores e parâmetros que permitem a elaboração de uma política mais efetiva", observa.
Apesar de citar exemplos de estatísticas que são bem feitas no país, como na área de assistência social, Samira crê que há necessidade de aperfeiçoar os estudos. "Deve haver continuidade e articulação dos números, permitindo que as pessoas consigam ver o reflexo desses estudos na sua vida". Barros frisa, entretanto, que o custo e a demanda de mão de obra para realizar grandes levantamentos são elementos que não interessam ao governo. "Coletar dados é caríssimo. Não são pesquisas com 2 mil pessoas que dimensionam um problema."
Critérios
Segundo o professor de Administração da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Steiner, o problema maior não é a falta de dados e sim de análises isentas e continuidade. "O ideal é que não houvesse interesses institucionais que influenciassem os levantamentos. Os governos também precisam dar continuidade nos dados, para que séries históricas não sejam desperdiçadas." Steiner salienta que é necessário fazer comparações coerentes e ter critérios bem definidos de metodologia. "É claro que as formas de realização dos levantamentos podem mudar, mas o ideal é que as pesquisas governamentais seguissem métodos mais uniformes. Isso garante uma credibilidade maior", avalia.



